Da série Os Passarinhos, de Estevão Ribeiro
“À semelhança do meu personagem, também sou do tipo que começa a comer quando fica estressado. Se as coisas saem mal ou se tornam meio complicadas, agarro logo um pacote de batatas fritas ou um saco de pipocas e devoro. Minha mãe me ensinou esse truque de automedicação há anos e continuo usando-o até hoje. Quando aparecem as dúvidas: batatas fritas. Alguns contratempos pessoais e profissionais me levaram de volta à despensa e aos velhos hábitos. Já não me lembro da última vez que fiz exercícios. E, caso lhe interesse, voltei a usar aquelas calças velhas e largas. Ah, sim, e também escrevi algumas peças novas. Uma delas com o atraente título de Fat Pig. Não, não estou dizendo que a criatividade esteja necessariamente ligada à infelicidade, mas me lembro de ter lido, com espanto e respeito, as histórias sobre Eugene O’Neill gritando atrás das portas e arrancando os cabelos enquanto escrevia Longa Jornada Noite Adentro. Não aconteceu nada parecido por aqui, claro, mas se você prestar atenção certamente poderá ouvir o crack-crack dos biscoitos que ingeri enquanto escrevia alguns dos meus melhores trabalhos.”
Do dramaturgo norte-americano Neil Labute, autor da peça Gorda
“Costumo dizer que há três coisas que o povo jamais deveria saber como são feitas: as salsichas, os acordos políticos e as traduções literárias. Falo com conhecimento de causa, pois sou tradutor. Não existe tradução perfeita. As línguas são diferentes, as culturas são diferentes. (…) Dizem que uma boa tradução é aquela que menos se afasta do original. O tempo inteiro estamos fazendo escolhas. O que é menos pior? Isso ou aquilo? Se traduzir assim, me aproximo do sentido original, mas perco a graça da aliteração feita pelo autor. Se traduzir assado, me afasto do sentido, mas respeito a forma. O tradutor é como um médico diante de um paciente sem cura.”
Trecho do conto O Tradutor, de Fernando Paiva
“O Facebook é movido a alta tecnologia. Não sei quantos servidores e cabos e engenheiros são necessários para garantir o acesso a 430 milhões de usuários 24 horas por dia no mundo todo, inclusive por celulares inteligentes. Mas garanto que é muita coisa. E, no entanto, como diz o meu irmão Phil, o resultado acaba parecendo um jornal de bairro. Esse é o ponto. É isso que é curioso. Não interajo com 430 milhões de pessoas. Apenas com algumas centenas de amigos. Dessas, talvez 100 participem de forma ativa da conversa comigo. Fico sabendo que a Vanessa se casou. Da frase esperta que Félix, filho da Bia, disse no café da manhã. Que meu irmão não consegue sair de Washington D.C. porque neva demais. Maurício vai descobrindo pérolas da música popular que posta para nós. Meu amigo Claudio Edinger, um militante do Facebook, nos dá aulas da história de filosofia e de arte com aforismos diários extraídos de grandes pensadores. Minha mulher Luli coloca um desenho de vez em quando. Meu pai reproduz um artigo sobre como uma nova invenção vai mudar o futuro da humanidade. E por aí vai. Também acompanho o progresso das fazendas daqueles que participam do jogo de Farmville no Facebook. Quem ganhou uma vaca nova. Quem precisa de ajuda para adubar suas melancias. Às vezes, sinto que moramos todos em uma pequena cidade rural e o Facebook é o nosso jornalzinho. É esse o seu segredo. Quanto mais as pessoas se globalizam, espalhando-se pelo mundo, mais elas anseiam pelos velhos e bons laços de comunidade.”
Trecho de A Volta do Jornal de Bairro, crônica de Mattew Shirts
“E agora, véio? Só tem público, não tem mais palhaço…”
De um jovem, no enterro do cartunista Glauco
“Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
À força de suor, de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina”
Trecho do poema Sinto que o Mês Presente me Assassina, de Mário Faustino
“No senso comum, dizemos que as coisas acontecem tragicamente quando elas são catastróficas. Não há nisso erro, apenas redução. (…) Nossa prática discursiva atual, cotidiana (…) designa o trágico como esse lugar do pior, do mais terrível que poderia ocorrer a alguém. (…) No entanto, a escalada histórica da ideia de trágico, a partir de inúmeras interpretações que sofreu e continua a sofrer, já diz algo dela mesma. Na maioria das vezes, o trágico foi pensado como uma espécie de essência, de conteúdo profundo e verdadeiro que reveste a condição humana, em qualquer tempo da história, conteúdo que sinaliza um conhecimento adquirido através da dor. (…)
O que exatamente dói? Em uma resposta sucinta, diríamos que é a nova situação do homem. Na tragédia grega, ‘o heroi deixa de se apresentar como modelo, como era na epopeia e na poesia lírica; ele tornou-se problema’. Aproximando um pouco mais o nosso foco, não se trata de uma situação em que o homem tem problemas a resolver _ isso seria evidente e comum _ mas de uma situação em que ele é o problema, e não há como deixar de sê-lo.”
Trecho de A Travessia do Trágico em Análise, livro do psicanalista Mauro Pergaminik Meiches
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