Por que continuo pensando em nós como a melhor parte de mim?
Por que continuo pensando em nós como a melhor parte de mim?
“Se nunca houve tempo
para ler todos, terei tempo
para ler os que preciso?
Só Borges leu todos
sabendo os que precisava
pressionado pela cegueira.
Não tenho essa urgência
nem o engenho do outro, do espelho
ou o belo perigo do tigre.
Por isso, eles transbordam
pelas estantes, oferecidos
para o cego desde sempre.
Por isso, é que não consigo
arrumá-los, ou se os arrumasse
os arrumaria como na morte.
Também não tenho o gênio
para dizer que tudo vai
acabar num livro.
Só sei que tudo não acabará
num livro, e sim que tudo
vai acabar comigo.”
“Já caí em muitos buracos, mas nenhum me levou ao País das Maravilhas.”
“Pendurado de banda
No vão da varanda
Do prédio a rodar
Não sei mais se é o mundo
Que cai aos meus pés
Ou de pernas pro ar”
“Fito-me frente a frente
E conheço quem sou.
Estou louco, é evidente
Mas que louco é que estou?”
“Eu ainda não tinha chegado aos 30 quando Holland, o meu marido, estava prestes a me abandonar. E eis o que eu pensava ser o pior de tudo: ninguém mais me conheceria jovem. A partir dali, eu sempre teria aquela idade ou seria mais velha para qualquer homem que eu conhecesse. (…) O que me faria falta – e isso só me ocorreu naquele momento – era o imutável, o insubstituível. Nunca conheceria outro homem que tivesse conhecido minha mãe, que vira seu cabelo indomável, o sotaque acentuado do Kentucky, àspero de fúria. Ela agora estava morta e nenhum outro homem poderia conhecê-la. Isso faria falta. Nunca conheceria ninguém, em lugar nenhum, que tenha me visto chorando de raiva e de falta de sono naqueles primeiros meses depois que Sonny, o nosso filho, nasceu, ou que o viu dar os primeiros passos, ou que o ouviu contar suas histórias sem sentido. Ele agora já era um garoto. Ninguém jamais poderia conhecê-lo quando bebê. Isso também faria falta. Eu não estaria sozinha apenas no presente; estaria sozinha também no meu passado, nas minhas lembranças. Pois fazem parte dele, de Holland, o meu marido. E dentro de uma hora esta parte de mim seria cortada como a cauda de um bicho. A partir daquela noite, eu seria como uma viajante de um país distante onde ninguém nunca esteve, e de onde nem sequer ouviu falar. Uma imigrante de uma terra desaparecida: a minha juventude.”
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