Elogio à imperfeição
“O auto-tunning é o Photoshop da voz. O cantor está desafinado? A voz não chegou lá? Auto-tunning nele. O software que corrige a afinação de cantores criou no campo da música a recompensa sem o devido esforço, algo que a maioria dos humanos busca incessantemente, levando à falência qualquer método de ensino. Dane-se o mérito. Às favas a vocação. É como se o Ronaldinho Gaúcho usasse uma chuteira que acertasse o gol por si. Treinar pra quê?
O talento perdeu um pouco de sua importância vital. O palco e a plateia se nivelaram por baixo, tornando o ordinário e o extraordinário equivalentes. E o pior: com sua precisão matemática irreal, com suas ordenadas e abscissas higienistas, o auto-tunning transforma as características da voz humana em defeitos.
E essa é a grande preocupação: o estabelecimento de um padrão inatingível para o ser humano – logo, desumano. Dessa forma, em nome da ‘perfeição’, nunca mais correremos o risco de estarmos certos. Foi o que o Photoshop fez com a pele humana. Gerou um padrão estético onde poros, rugas de expressão, pelos e outras características foram alçadas à condição de defeitos. A capacidade desse padrão de gerar frustrações, tristeza, sofrimento e culpa é gigantesca. A quem interessa isso? A favor de quem é isso?
(…) Seguindo a lógica do auto-tunning, Nat King Cole, Aretha Franklin, Maria Callas, Elis Regina, Donnie Hathaway, Paulinho da Viola, Louis Armstrong e João Gilberto são desafinados. Simples assim.”
Armando, não sei se gosto mais do texto do João ou do título que deste ao post. É o tipo de perfeição que realmente quero na minha vida! Muito grata!