“O estatuto que proíbe a punição corporal de crianças visa a que se deixe de considerar normal, necessário ou saudável ‘educar’ com violência. Como a sociedade que pune com prisão quem bate em velhinhos aceita que pais batam em suas crianças? O problema tem vários níveis, e só um deles (ainda que de grandes consequências para as gerações futuras) é o seguinte: violência, não importa em qual forma, gera violência, como a neurociência já constatou várias vezes. Funciona igualmente com camundongos e com humanos: o cérebro que recebe maus tratos na infância sofre várias mudanças, incluindo alterações em seu sistema de recompensa, que antecipa bons resultados; na amígdala, que sinaliza maus resultados; e no hipocampo, que forma memórias novas e cuida de nossa lista mental de ‘problemas a resolver’. O resultado? Crianças que recebem restrição corporal, palmadas, sacudidas ou abuso verbal (castigos que muitos consideram brandos) se tornam adultos com propensão a comportamento antissocial e agressivo, transtornos de ansiedade, depressão, alcoolismo e outras formas de dependência química.
‘Mas eu recebi palmadas na infância e me tornei um adulto saudável, portanto, palmadas não fazem mal’, dizem vários defensores das palmadas educativas. Pelo contrário: graças à resiliência do cérebro (sua capacidade de se recuperar de agressões variadas), ao que tudo indica essas pessoas que sofreram maus tratos na infância provavelmente se tornaram adultos saudáveis APESAR das palmadas. E, justamente por causa da capacidade do cérebro de se adaptar, essas crianças punidas com violência viraram adultos que hoje acham normal… punir com violência.
Felizmente existe antídoto, tão ao alcance quanto uma palmada. Também funciona com camundongos e crianças, também é comprovado pela neurociência, também muda o cérebro para o resto da vida e se autopropaga. Chama-se carinho.”
Trecho do artigo Não existe palmada bem dada, da neurocientista Suzana Herculano-Houzel