“Quando jovem, afoito e aflito
escrevi um poema aos poemas
que ainda não tinha escrito.
Era o desespero da espera e a certeza
que como passageiro de paraquedas
tais versos me saltariam à vista.
Hoje, maduro, confiro
no presente texto dado
o ausente futurado
que nunca escreviverei.
Esse poeta frustro
_ o melhor poeta
dessa aldeia que habitei
dentro de mim
não é melhor
que o melhor amante que julguei ser
_ e certamente não fui.
No entanto, pensei, sabia seduzir
o corpo amado e sempre separar
do trigo
_ o verso errado.
Não fui mestre bastante
para fazê-los perfeitos
porque
ainda que mais-que-perfeitos os quisera
imperfeitos sabiam ser.
Não fui avaro o bastante na madrugada
para levar o melhor fruto ao mercado,
nem o robusto ferreiro com o fero verso afiado,
nem cheguei a crescer tanto na selva
que ao cair
abrisse a clareira de um feriado.
_ Quem é o melhor de nós?
já não é mais um problema que me tange.
Posso rimar lua com alfanje
ou tomar banho no Ganges
_ como uma rês do rebanho.
Também não mais concorro
no festival dos mais sórdidos,
nem saio por aí correndo com um saltério
a me inscrever no coral de arcanjos.
Aqui estou, poeta frustro e manqué
abrindo mão de seus truques
_ sem mesmo saber por quê.”
Trecho de Poema Manqué, de Affonso Romano de Sant’Anna