“Para Nietzsche, as principais tragédias gregas – escritas por autores como Ésquilo e Sófocles no século 5 a.C. – contêm uma imagem profética da condição humana. Os heróis trágicos, como Édipo, Antígona e Prometeu, são levados à desgraça e à destruição por suas próprias virtudes. Contudo, em uma tragédia que se preze, a catástrofe não leva à agonia total, mas a um misterioso consolo metafísico. A essência do mundo trágico está na capacidade de sorrir enquanto se penetra no coração das trevas, e é isso que Nietzsche tenta resgatar, como antídoto para as mazelas e fraquezas de sua própria época: somos todos personagens de uma grande tragédia cósmica, e devemos viver de acordo com nossos papéis, sem recair no escapismo ou na lamúria. A chave da sabedoria está em aceitar o lado selvagem e transitório da vida – o que não significa renunciar a ela. Esse perigoso equilíbrio entre o prazer de viver e o fatalismo existencial é regido, na filosofia de Nietzsche, por duas figuras ao mesmo tempo opostas e complementares: os deuses Apolo (da harmonia, da ordem, do comedimento) e Dionísio (da desmedida), enfezados irmãos olímpicos, que entre socos e abraços regulam o estado de espírito da humanidade.”
Trecho do artigo Razão e Instinto, de José Francisco Botelho