“A mania começou quando eu tinha 6 anos e já alcançava as campainhas. Terminava o dever de casa, falava para minha mãe que iria brincar no playground do prédio, mas na verdade eu descia as escadas já com o coração na mão, tocava a campainha dos apartamentos e saía correndo. Do andar de baixo, ou de cima, ficava ouvindo a pergunta, quem é? Deliciava-me com a dúvida dos moradores e media, pelo número de vezes que insistiam na interrogação e pelo barulho das portas se fechando, o nível de indignação causada. Procurava não repetir os apartamentos, dar um tempo, mas, apesar de o condomínio ser enorme, quatro blocos, seis apartamentos por andar, às vezes eu esquecia e chamava a atenção desnecessariamente. Assim, em alguns casos ouvi xingamentos do tipo, moleque safado, que desplante! O prazer era proporcional à reação. Numa ocasião quase fui pego, em outra presenciei por acaso a reclamação de uma senhora ao síndico. É a glória, pensei.
Certa vez, tão tonto e excitado com o meu passatempo, toquei por engano a campainha de casa. Que susto ouvir a voz doce de minha mãe dizendo, tem alguém aí? Quem é? Acabou servindo como disfarce; o trote já estava manjado no prédio, e, embora eu não fosse o único moleque, era sem dúvida um dos suspeitos. O síndico mencionara o problema na reunião de condomínio, pedira aos pais que repreendessem os filhos, aquilo era um desrespeito. Minha mãe logo disse, meu filho não, ele não é disso, e contou que tinha sido alvo da mesma brincadeira.”
Trecho de Quem É?, conto de Luiz Schwarcz