Camaleão

“- Moço, me dá um cigarro?
A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma posição em que me encontrava, frente ao mar, absorvido com ridículas lembranças.
O importuno pedinte insistia:
– Moço, oh! moço! Moço, me dá um cigarro?
Ainda com os olhos fixos na praia, resmunguei:
– Vá embora, moleque, senão chamo a polícia.
– Está bem, moço. Não se zangue. E, por favor, saia da minha frente, que eu também gosto de ver o mar.
Exasperou-me a insolência de quem assim me tratava e virei-me, disposto a escorraçá-lo com um pontapé. Fui desarmado, entretanto. Diante de mim estava um coelhinho cinzento, a me interpelar delicadamente:
– Você não dá é porque não tem, não é, moço?
O seu jeito polido de dizer as coisas comoveu-me. Dei-lhe o cigarro e afastei-me para o lado, a fim de que melhor ele visse o oceano. Não fez nenhum gesto de agradecimento, mas já então conversávamos como velhos amigos. Ou, para ser mais exato, apenas o coelhinho falava. Contava-me acontecimentos extraordinários, aventuras tamanhas que o supus com mais idade do que realmente aparentava.
Ao fim da tarde, indaguei onde ele morava. Disse não ter morada certa. A rua era o seu pouso habitual. Foi nesse momento que reparei nos seus olhos. Olhos mansos e tristes. Deles me apiedei e convidei-o a residir comigo. A casa era grande e morava sozinho _ acrescentei.
A explicação não o convenceu. Exigiu-me que revelasse minhas reais intenções:
– Por acaso, o senhor gosta de carne de coelho?
Não esperou pela resposta:
– Se gosta, pode procurar outro, porque a versatilidade é o meu fraco.
Dizendo isto, transformou-se numa girafa.
– À noite _prosseguiu_ serei cobra ou pombo. Não lhe importará a companhia de alguém tão instável?
Respondi que não e fomos morar juntos.”

Trecho de Teleco, o Coelhinho, conto de Murilo Rubião

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