Bárbara
A personagem da peça O Amor e Outros Estranhos Rumores incorpora na atriz Débora Falabella e exige: “Quero uma estrela!”
Bárbara já não é criança há décadas. Exibe, porém, um tom de voz muito doce, quase infantil. Sem nunca sair de casa, passa os dias à toa, largada numa poltrona e refém dos próprios caprichos.
BRAVO!: Um iPad?
Bárbara: Quero.
Uma cafeteira italiana, um pacote de jujubas, um balão de festa, uma caminhonete 4×4?
Quero, quero! Ele tem de me dar.
Ele quem?
Meu marido. Desde que o conheço, é assim: peço, peço, peço. Às vezes, me contento com miudezas. Outras vezes, exijo imensidões, coisas difíceis de conseguir. E ele sempre me atende. Sempre! Ou melhor: houve uma época – bem longínqua, graças a Deus – em que cismou de não me escutar. Como reagi à altura, a resistência durou pouco. Tranquei-me num silêncio agressivo, deixei de comer e definhei tanto que o pobre coitado logo recuou.
O que você já lhe pediu?
Comecei invocando uma jabuticaba. Éramos garotos ainda. “Uma jabuticaba brilhante e madurinha. Eu quero!” Ele trouxe. Mais tarde, roguei que me arranjasse o ninho de um pica-pau. E um buquê de magnólias recém-colhidas, e mil casulos de borboletas rajadas, e um tapete de pérolas. Ele arrumou. Em seguida, supliquei que buscasse o oceano. Ele viajou para o litoral e retornou sem graça – ofertou-me apenas uma garrafa cheia de água marinha. Embora decepcionada, aceitei o presente. Fiquei semanas observando a garrafa e bebericando a água. Uma hora, no entanto, me aborreci daquilo. Aliás, invariavelmente enjoo de tudo o que peço. Solicitei, então, um baobá. Ele me apareceu com um galho da árvore. “Idiota!”, esbravejei. “Quero a árvore inteira! Não bastou o fiasco do oceano?” Ele argumentou que um baobá costuma atingir 10 m de altura. “Não me interessa! Vire-se!” Ele se virou. “Agora, um navio! Quero um transatlântico!” Ele partiu novamente para o litoral e escolheu a maior embarcação do porto. Mandou que a desmontassem e a conduziu de trem até nossa cidade, tão distante do mar. Hipnotizada, refugiei-me por meses no convés, como um descobridor de continentes. Mas depois… Neste momento, meu marido deve estar em busca da estrela que lhe encomendei.
Uma estrela?
Sim. E, quando me cansar dela, vou pedir uma nuvem. Ou a Patagônia. Não decidi…
Você o recompensa de algum modo?
Claro! Com o prazer de minha presença. Ele é louco por mim! Também lhe proporciono a chance de se aventurar. Por causa das minhas demandas, o sortudo visitou o mundo inteiro, negociou em diferentes línguas, correu riscos dignos de cinema. Que outra mulher possibilitaria tantas experiências memoráveis?
Ele vai sempre sozinho?
Vai. Não o acompanho em hipótese nenhuma. Prefiro aguardá-lo por aqui, sem arredar pé desta poltrona. Há quem me acuse de comodista, voluntariosa ou tirânica. Não ligo a mínima. Gosto de colocar meu marido em ação. Enquanto ele satisfizer minhas vontades, não precisarei mover uma palha.
Você realmente deseja as coisas que pede?
Como assim? Lógico que desejo!
Parece-me que, frequentemente, você as pede só para testar a submissão de seu marido.
Eu?! Que ideia! Você anda lendo muito livro de psicologia… Peço exclusivamente aquilo que desejo e meu marido me acata porque o maior desejo dele é suprir o que desejo. Entendeu?
Desculpe-me a sinceridade, mas você está gordíssima. Se oito ou nove homens dessem as mãos e tentassem rodeá-la, duvido que conseguissem. Por que engordou tanto?
Em razão dos meus pedidos. Estranhamente, toda vez que meu marido me atende, engordo na proporção do que reivindiquei. Quando obtive a jabuticaba, ganhei uns gramas. Quando recebi o navio, meu peso se elevou em 2 toneladas. Não me incomodo, ainda que a gordura atrapalhe meus movimentos. Somente a escassez me atormenta. O que é demais nunca me aflige.
Você tem filhos?
Digamos que sim. Certa ocasião, engravidei sem querer. De imediato, resolvi abdicar da criança. Como poderia zelar por algo que não desejei? Meu marido é quem cuida dela – o que me desagrada bastante. Quanto mais tempo perde com a criaturinha, menos tempo reserva para mim.
Você sabe o significado da palavra “limite”?
Por que pergunta? Você está sugerindo que não aceito limites? Talvez não os aceite mesmo… Mas não sou a única. Sou?
ONDE ENCONTRAR BÁRBARA
Na peça O Amor e Outros Estranhos Rumores, baseada em contos de Murilo Rubião. Direção: Yara de Novaes. Com Débora Falabella, Maurício de Barros, Rodolfo Vaz e Priscila Jorge. No Teatro da Universidade Católica – Tuca (rua Monte Alegre, 1.024, Perdizes, São Paulo, SP, tel. 0++11/2626-0938). Até 13/2.
Acompanho a seção Mascara desde que fora criada, em 2009, e algumas delas me emocionam em especial (porque ainda guardo os exemplares). Foi o que aconteceu com Bárbara. Necessariamente não fiquei emocionado no sentido de afetação, sabe? Na verdade eu fiquei encantado, mais ainda com a possibilidade dela desejar uma estrela também. Conversando com uma amiga, antes de ler a entrevista, muito antes aliás, ela disse que desejaria a lua um dia, dentro de seu quarto. Quando li, recomendei que ela lesse a seção, abordando da seguinte forma: vai Flavinha, que a loucura de ter uma lua no quarto não é só sua, quando se tem ‘alguém’ por aí que já desejou e teve um oceano.
Fica a mensagem que é possível sonhar e divertir-se com as possibilidades do irreal.
Gosto de Mascara, e saúdo a Armando por ela!
Muitíssimo obrigado!
Um abraço!
Armando