O personagem da peça 12 Homens e Uma Sentença incorpora no ator Norival Rizzo e afirma: “A pena de morte é uma punição severa demais”
Um senhor cai morto dentro de casa, nos Estados Unidos, com uma faca cravada perto do coração. Seu filho adolescente, único suspeito do assassinato, vai a julgamento. Depois de assistir às explanações do promotor, das testemunhas e do advogado de defesa, os 12 integrantes do júri popular se reúnem numa sala e tentam decidir a sentença. Se considerarem o menino culpado, o levarão à cadeira elétrica. O juiz, porém, acatará somente um parecer unânime. Caso os 12 homens manifestem opiniões díspares, haverá novo julgamento. Tão logo se inicia o debate na sala, 11 deles votam pela condenação do réu. Apenas um – o jurado número 8 – deseja inocentá-lo e conduz a discussão para um impasse. É arquiteto, casado, pai de dois moços e beira os 60 anos. Como os demais membros do júri, não revela o próprio nome.
BRAVO!: Por que você acredita na inocência do garoto?
Jurado 8: Eu formularia a pergunta de maneira distinta – “Por que você não acredita na culpa do rapaz?” Percebe a diferença? Não arrisco afirmar que o jovem é inocente. Entretanto, também não consegui me convencer de que praticou o crime. Num julgamento que pode desaguar em pena de morte, só devemos condenar o réu se tivermos convicção absoluta de que errou.
Mas a promotoria demonstrou que o garoto matou, não? Demonstrou mesmo? De fato, pai e filho andavam sempre às turras. Eles dividiam um apartamento pequeno num bairro pobre e violento. O pai, um sujeito beberrão, que costumava sair com prostitutas e jogava a dinheiro, agredia frequentemente o menino. O rapaz, de modo idêntico, nunca primou pelo bom comportamento. Roubou carros, assaltou incautos nas ruas, puxou uns dias de cadeia. Uma noite, o pai apareceu esfaqueado. O jovem alegou que, quando o homicídio aconteceu, se encontrava no cinema. Para contradizê-lo, o promotor lançou mão de duas testemunhas. Um velho que mora abaixo do morto proclamou com todas as letras: “Ouvi uma briga horrível no andar de cima pouco antes da tragédia. O filho, exasperado, gritava que iria liquidar o pai”. Já a mulher, que vive num edifício próximo do prédio onde se deu o assassinato, garantiu: “De minha janela, vi o moço cometer o crime”. Parecem, à primeira impressão, depoimentos irrefutáveis. No entanto, não me persuadiram. Os testemunhos apresentavam lacunas inexploradas pela defesa, que se revelou muito displicente. Quais lacunas? Por exemplo: um trilho ferroviário atravessa o bairro em questão. Na hora do assassinato, um trem passava diante do prédio onde os envolvidos estavam. Como, então, o velho poderia escutar a tal briga nitidamente? Seria possível reconhecer a voz do garoto mesmo com o barulho do trem? E a mulher? Como conseguiria enxergar direito o que ocorria no edifício em frente se o trem lhe atrapalhava a visão? Quer dizer que o velho e a mulher mentiram? Não, de jeito nenhum. Os dois creem piamente naquilo que relataram. As circunstâncias os iludiram, uma vez que o filho possuía motivos para assassinar o pai. As testemunhas transformaram uma suposição em realidade. E o fizeram sem notar que agiam assim. Pergunto-me se enganos dessa natureza prevaleceram em julgamentos anteriores. Quantos inocentes pagaram por crimes alheios? Não à toa, sou inteiramente contra a pena de morte. Trata-se de uma punição severa demais e irreversível. Mesmo sendo contra a pena de morte, você aceitou participar do julgamento. Havia a alternativa de recusar a convocação? Havia, mas nunca pensei em fugir da raia. Na verdade, senti certo orgulho quando me chamaram. Uma vaidadezinha, sabe? Receber a proposta é sinal de que o Estado me considera íntegro e apto para zelar pelo funcionamento correto da sociedade. Por que rejeitar um voto de confiança tão explícito? De que me adiantaria permanecer fora do jogo? O sistema penal exibe graves imperfeições. E quem pretende corrigi-las não deve se omitir jamais. Precisa atuar dentro do próprio sistema. Se participo de um julgamento, tenho a oportunidade de impedir que inocentes morram. Se abdico de participar, simplesmente lavo as mãos. Lógico que, acatando a convocação, também corro o risco de absolver um culpado. Menos mal: acredito na justiça de Deus. Aqueles que não responderem aqui pelos deslizes responderão em outra esfera. ONDE ENCONTRAR O JURADO 8 Na peça 12 Homens e Uma Sentença, de Reginald Rose. Tradução: Ivo Barroso. Direção: Eduardo Tolentino de Araújo. Com Norival Rizzo, José Renato, Oswaldo Mendes e outros. Teatro Imprensa (r. Jaceguai, 400, Bela Vista, São Paulo, SP, tel. 0++/11/3241-4203).
Publicado
sexta-feira, 1 de abril de 2011 às 6:43 pm e categorizado como Máscara.
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Jurado 8
O personagem da peça 12 Homens e Uma Sentença incorpora no ator Norival Rizzo e afirma: “A pena de morte é uma punição severa demais”
Um senhor cai morto dentro de casa, nos Estados Unidos, com uma faca cravada perto do coração. Seu filho adolescente, único suspeito do assassinato, vai a julgamento. Depois de assistir às explanações do promotor, das testemunhas e do advogado de defesa, os 12 integrantes do júri popular se reúnem numa sala e tentam decidir a sentença. Se considerarem o menino culpado, o levarão à cadeira elétrica. O juiz, porém, acatará somente um parecer unânime. Caso os 12 homens manifestem opiniões díspares, haverá novo julgamento. Tão logo se inicia o debate na sala, 11 deles votam pela condenação do réu. Apenas um – o jurado número 8 – deseja inocentá-lo e conduz a discussão para um impasse. É arquiteto, casado, pai de dois moços e beira os 60 anos. Como os demais membros do júri, não revela o próprio nome.
BRAVO!: Por que você acredita na inocência do garoto?
Jurado 8: Eu formularia a pergunta de maneira distinta – “Por que você não acredita na culpa do rapaz?” Percebe a diferença? Não arrisco afirmar que o jovem é inocente. Entretanto, também não consegui me convencer de que praticou o crime. Num julgamento que pode desaguar em pena de morte, só devemos condenar o réu se tivermos convicção absoluta de que errou.
Mas a promotoria demonstrou que o garoto matou, não?
Demonstrou mesmo? De fato, pai e filho andavam sempre às turras. Eles dividiam um apartamento pequeno num bairro pobre e violento. O pai, um sujeito beberrão, que costumava sair com prostitutas e jogava a dinheiro, agredia frequentemente o menino. O rapaz, de modo idêntico, nunca primou pelo bom comportamento. Roubou carros, assaltou incautos nas ruas, puxou uns dias de cadeia. Uma noite, o pai apareceu esfaqueado. O jovem alegou que, quando o homicídio aconteceu, se encontrava no cinema. Para contradizê-lo, o promotor lançou mão de duas testemunhas. Um velho que mora abaixo do morto proclamou com todas as letras: “Ouvi uma briga horrível no andar de cima pouco antes da tragédia. O filho, exasperado, gritava que iria liquidar o pai”. Já a mulher, que vive num edifício próximo do prédio onde se deu o assassinato, garantiu: “De minha janela, vi o moço cometer o crime”. Parecem, à primeira impressão, depoimentos irrefutáveis. No entanto, não me persuadiram. Os testemunhos apresentavam lacunas inexploradas pela defesa, que se revelou muito displicente.
Quais lacunas?
Por exemplo: um trilho ferroviário atravessa o bairro em questão. Na hora do assassinato, um trem passava diante do prédio onde os envolvidos estavam. Como, então, o velho poderia escutar a tal briga nitidamente? Seria possível reconhecer a voz do garoto mesmo com o barulho do trem? E a mulher? Como conseguiria enxergar direito o que ocorria no edifício em frente se o trem lhe atrapalhava a visão?
Quer dizer que o velho e a mulher mentiram?
Não, de jeito nenhum. Os dois creem piamente naquilo que relataram. As circunstâncias os iludiram, uma vez que o filho possuía motivos para assassinar o pai. As testemunhas transformaram uma suposição em realidade. E o fizeram sem notar que agiam assim. Pergunto-me se enganos dessa natureza prevaleceram em julgamentos anteriores. Quantos inocentes pagaram por crimes alheios? Não à toa, sou inteiramente contra a pena de morte. Trata-se de uma punição severa demais e irreversível.
Mesmo sendo contra a pena de morte, você aceitou participar do julgamento. Havia a alternativa de recusar a convocação?
Havia, mas nunca pensei em fugir da raia. Na verdade, senti certo orgulho quando me chamaram. Uma vaidadezinha, sabe? Receber a proposta é sinal de que o Estado me considera íntegro e apto para zelar pelo funcionamento correto da sociedade. Por que rejeitar um voto de confiança tão explícito? De que me adiantaria permanecer fora do jogo? O sistema penal exibe graves imperfeições. E quem pretende corrigi-las não deve se omitir jamais. Precisa atuar dentro do próprio sistema. Se participo de um julgamento, tenho a oportunidade de impedir que inocentes morram. Se abdico de participar, simplesmente lavo as mãos. Lógico que, acatando a convocação, também corro o risco de absolver um culpado. Menos mal: acredito na justiça de Deus. Aqueles que não responderem aqui pelos deslizes responderão em outra esfera.
ONDE ENCONTRAR O JURADO 8
Na peça 12 Homens e Uma Sentença, de Reginald Rose. Tradução: Ivo Barroso. Direção: Eduardo Tolentino de Araújo. Com Norival Rizzo, José Renato, Oswaldo Mendes e outros. Teatro Imprensa (r. Jaceguai, 400, Bela Vista, São Paulo, SP, tel. 0++/11/3241-4203).
Publicado sexta-feira, 1 de abril de 2011 às 6:43 pm e categorizado como Máscara. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.