“O que os olhos não veem a paranoia inventa.”
“O que os olhos não veem a paranoia inventa.”
“Pense num amor
que você nunca teve
e perdeu
é como ter saudades
de um cachorro
que você nunca teve
ontem por exemplo
lembrei-me das palavras
que naquele dia
você quase falou
e no entanto
hoje você volta
ao lugar exato
em que não esteve”
“A ‘patroa’ do Coutinho [o grande centroavante do Santos na época de Pelé] costura 400 sungas por semana para uma confecção. Em casa mesmo. Acha fácil conviver com o craque, ‘só precisa ter paciência’. O chama de Honório, que é o terceiro nome de um homem sem sobrenome: Antônio Wilson Honório. Eles tiveram três filhos, duas meninas e um menino. O rapaz, Kleber, que jogou no juvenil do Santos – com a camisa 10 – morreu em 1989, aos 23 anos. O Coutinho não gosta de tocar no assunto, mas está assim na biografia autorizada Coutinho, o Gênio da Área, de Carlos Fernando Schinner: ‘A morte do filho é ainda hoje um assunto tabu para o ex-camisa 9. Coutinho não fala sobre a doença que matou Kleber e, ao lembrar-se do filho, com a voz embargada e lágrimas nos olhos, não se perdoa, acha que não ajudou o rapaz o bastante, como realmente deveria’. Sem saber o que dizer, digo que posso imaginar a dor que ele sente. O Coutinho me fulmina como numa cobrança de pênalti sem paradinha: ‘Você também perdeu um filho? Ah, não? Então, me desculpa, você não pode imaginar a dor que eu sinto’.”
“Os negociadores [sul-africanos, que discutiam os abusos cometidos durante o apartheid] optaram por assumir um compromisso mútuo: anistia individual, em vez da anistia geral, em troca de toda a verdade a respeito do crime que se estava debatendo. ‘Anistia em troca da verdade?’, muitos perguntaram, com uma preocupação genuína. ‘E quanto à justiça? Isso não equivale a incentivar a impunidade?’ Antes de tudo é necessário ressaltar que esse jeito de lidar com a situação foi proposto exclusivamente para esse delicado período de transição, ad hoc – de uma vez para sempre. Em vez de incentivar a impunidade, a opção escolhida para seguir adiante ressaltava a responsabilidade, já que quem procurasse a anistia deveria admitir ter cometido um crime. Inocentes e aqueles que alegavam inocência, obviamente, não necessitavam de anistia.
Alguns argumentaram que isso significaria deixar os culpados escaparem ilesos. Significaria mesmo? Todos sabem como é difícil dizer ‘sinto muito’. São duas das palavras mais difíceis de qualquer língua. Não acho fácil dizê-las nem na privacidade do meu quarto para minha esposa. Posso imaginar, portanto, o que deve ter significado para alguns deles terem de confessar publicamente, sob as lentes das câmeras de televisão. Era comum culpados serem considerados respeitáveis membros de sua comunidade. Provavelmente aquela seria a primeira vez que a família ouviria que aquele aparente bastião de virtude era, na verdade, membro de uma equipe policial responsável por torturas diárias de presos, ou que pertencia a um esquadrão da morte que tratava assassinatos como acidentes de percurso do depravado sistema de apartheid. O estigma da vergonha e da humilhação pública é um preço alto a se pagar, em alguns casos levando esposas ao choque e ao consequente pedido de divórcio.
Usar o argumento do ‘escapar ileso’ significaria pensar apenas em termos de justiça punidora, cuja raison d’être é punir o perpetrador do crime. Há outro tipo de justiça: a restauradora, cujo propósito não é punir, mas curar. Ela estabelece como ponto central a humanidade até dos culpados das piores atrocidades, sem desistir de ninguém, acreditando na bondade essencial de todos que foram criados à imagem de Deus, defendendo que mesmo o pior de nós é filho de Deus e tem o potencial de ser uma pessoa melhor, alguém que pode ser salvo, reabilitado, que não precisa ser alienado, mas sim reintegrado à comunidade. A justiça restauradora acredita que um crime cause uma brecha, perturbe o equilíbrio social, o qual deve ser recuperado e a brecha, fechada, em um processo em que ofensor e vítima possam se reconciliar e retornar à paz.”
Webmaster: Igor Queiroz