“– Numa edição recente da revista Forbes, o jornalista Kenneth Rapoza ironizou os preços exorbitantes que os brasileiros pagam pelos carros importados. Afinal, por que aceitamos pagar tão caro?
– (…) Entre outras razões, os brasileiros se submetem aos preços pois os carros são ‘bens posicionais’. A ideia é do economista inglês Fred Hirsch. O valor do bem posicional depende justamente da ‘exclusividade’, isto é, do fato de que os outros não têm acesso a esses bens. Quanto mais caro, mais exclusivo. Quanto mais exclusivo, mais status. E, portanto, mais poder para impressionar os outros. O filósofo francês Nicolas Malebranche dizia que o desejo mais ardente das pessoas é conquistar um lugar de honra na mente dos seus semelhantes. Essa é a ideia do bem posicional: o proprietário pensa que as pessoas passam a respeitá-lo e admirá-lo mais porque ele pode desfilar um carrão, uma grife, um luxo. Um copo de leite, por exemplo, é um bem normal. Se tenho prazer em beber um copo de leite todas as manhãs, isso independe do resto da sociedade. Se amanhã todo mundo beber um copo de leite igualzinho, o meu prazer não mudará uma gota. Mas suponha que eu sou um jovem ambicioso, trabalho 12 horas no mercado financeiro, ganho meu dinheiro honestamente e decido que a coroação da minha vitória será um automóvel caríssimo. Compro meu carro dos sonhos – um BMW, um Mercedes ou um dos carros mencionados pela Forbes – e, de repente, tenho um estalo: ‘Eu sou especial’. As meninas vão ver um brilho diferente no meu olhar, os amigos vão me invejar, os outros vão me respeitar quando passar na rua. Volto para casa feliz da vida. Mas, na manhã seguinte, acontece uma coisa estranha: todos os carros da cidade se transformaram em BMWs idênticos ao meu. E aí? Será que esse carro ainda tem a importância e o valor que tinha aos meus olhos e aos olhos dos demais? Ou será que o poder que ele me conferia simplesmente desapareceu? Pois é, desapareceu. Uma das melhores definições dessa ideia é do satírico romano Petrônio: ‘Só me interessam os bens que despertam no populacho a inveja de mim por possuí-los’. Isso foi dito na Roma antiga, há dois milênios. Uma passagem de Adam Smith, n’A Riqueza das Nações (1776), também ilustra isso: ‘Para a maior parte das pessoas ricas, a principal fruição da riqueza consiste em poder exibi-la, algo que aos seus olhos nunca se dá de modo tão completo como quando elas parecem possuir aqueles sinais definitivos de opulência que ninguém mais pode ter a não ser elas mesmas’. Essa é uma definição irretocável do bem posicional. Quer dizer, sim, compramos um sinal de opulência e de distinção, um prestígio, um brilho – embora muitas vezes sabendo que estamos sendo roubados. Mas, afinal, por quê? Beleza, poder e riqueza mexem com o psiquismo humano de uma maneira quase pré-racional. Não percebemos quão vulneráveis somos a esses apelos. Isso certamente não é de hoje. Ao longo da história, muitos pensadores se debruçaram sobre essa questão, a partir de uma perspectiva ética. Como entender o fascínio por beleza, poder e riqueza? Por que nos deixamos levar por essas promessas? Por que somos iludidos por esses bens posicionais?”
Do economista e filósofo Eduardo Giannetti, em entrevista à repórter Juliana Sayuri
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terça-feira, 28 de agosto de 2012 às 5:12 pm e categorizado como Blog.
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O país da ostentação
“– Numa edição recente da revista Forbes, o jornalista Kenneth Rapoza ironizou os preços exorbitantes que os brasileiros pagam pelos carros importados. Afinal, por que aceitamos pagar tão caro?
– (…) Entre outras razões, os brasileiros se submetem aos preços pois os carros são ‘bens posicionais’. A ideia é do economista inglês Fred Hirsch. O valor do bem posicional depende justamente da ‘exclusividade’, isto é, do fato de que os outros não têm acesso a esses bens. Quanto mais caro, mais exclusivo. Quanto mais exclusivo, mais status. E, portanto, mais poder para impressionar os outros. O filósofo francês Nicolas Malebranche dizia que o desejo mais ardente das pessoas é conquistar um lugar de honra na mente dos seus semelhantes. Essa é a ideia do bem posicional: o proprietário pensa que as pessoas passam a respeitá-lo e admirá-lo mais porque ele pode desfilar um carrão, uma grife, um luxo. Um copo de leite, por exemplo, é um bem normal. Se tenho prazer em beber um copo de leite todas as manhãs, isso independe do resto da sociedade. Se amanhã todo mundo beber um copo de leite igualzinho, o meu prazer não mudará uma gota. Mas suponha que eu sou um jovem ambicioso, trabalho 12 horas no mercado financeiro, ganho meu dinheiro honestamente e decido que a coroação da minha vitória será um automóvel caríssimo. Compro meu carro dos sonhos – um BMW, um Mercedes ou um dos carros mencionados pela Forbes – e, de repente, tenho um estalo: ‘Eu sou especial’. As meninas vão ver um brilho diferente no meu olhar, os amigos vão me invejar, os outros vão me respeitar quando passar na rua. Volto para casa feliz da vida. Mas, na manhã seguinte, acontece uma coisa estranha: todos os carros da cidade se transformaram em BMWs idênticos ao meu. E aí? Será que esse carro ainda tem a importância e o valor que tinha aos meus olhos e aos olhos dos demais? Ou será que o poder que ele me conferia simplesmente desapareceu? Pois é, desapareceu. Uma das melhores definições dessa ideia é do satírico romano Petrônio: ‘Só me interessam os bens que despertam no populacho a inveja de mim por possuí-los’. Isso foi dito na Roma antiga, há dois milênios. Uma passagem de Adam Smith, n’A Riqueza das Nações (1776), também ilustra isso: ‘Para a maior parte das pessoas ricas, a principal fruição da riqueza consiste em poder exibi-la, algo que aos seus olhos nunca se dá de modo tão completo como quando elas parecem possuir aqueles sinais definitivos de opulência que ninguém mais pode ter a não ser elas mesmas’. Essa é uma definição irretocável do bem posicional. Quer dizer, sim, compramos um sinal de opulência e de distinção, um prestígio, um brilho – embora muitas vezes sabendo que estamos sendo roubados. Mas, afinal, por quê? Beleza, poder e riqueza mexem com o psiquismo humano de uma maneira quase pré-racional. Não percebemos quão vulneráveis somos a esses apelos. Isso certamente não é de hoje. Ao longo da história, muitos pensadores se debruçaram sobre essa questão, a partir de uma perspectiva ética. Como entender o fascínio por beleza, poder e riqueza? Por que nos deixamos levar por essas promessas? Por que somos iludidos por esses bens posicionais?”
Do economista e filósofo Eduardo Giannetti, em entrevista à repórter Juliana Sayuri
Publicado terça-feira, 28 de agosto de 2012 às 5:12 pm e categorizado como Blog. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.