“Tudo é repetição no amor. O novo repete alguma coisa antiga e mesmo a primeira vez é igual à última.”
“Tudo é repetição no amor. O novo repete alguma coisa antiga e mesmo a primeira vez é igual à última.”
“Meu Deus! Eu não era feliz e não sabia…”
“Me chamo Julinho da Adelaide porque todo mundo só me chama assim lá no morro, entende? Minha mãe é mais famosa do que eu lá no Rio. Ainda é. Minha mãe é séria! Minha mãe, vou te contar o que ela fez. Minha mãe estava no primeiro elenco do Orfeu Negro. Foi amiga íntima de Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim e Oscar Niemeyer. Fazia o cenário do Oscar Niemeyer. Fazia o cenário do Orfeu no Municipal. Ela conheceu intimamente o Oscar Niemeyer. Tanto é que há cinco, seis anos a gente morava ali na Favela da Rocinha, quando começaram a erguer o Hotel Nacional. Ela me dizia: ‘Tá vendo, filho? Tá vendo, Julinho? Homenagem do Oscar para mim’.”
“Minhas leituras memoráveis são aquelas
quando à noite cabeceio na leitura.
Diante do livro aberto eu persigo
o friso das palavras que prosseguem
pelo vão das pálpebras.
Há sentido,
que passa despercebido
mas que me resguarda.
Pela manhã quando desperto
desprezo o livro ao lado e observo
no alto o teto liso.
O teto narra esplêndidas histórias
na superfície branca de páginas não
impressas.
Nelas acredito.”
“Mãe, sabe o que é sonho? É um filme que nasce na cabeça da gente. Se o filme é triste, vira pesadelo.”
Ela abandona o quarto. Em meu peito, dentro e fora dele, deixa marcas de batom.
“Tinha perto de casa uma igreja que eu achava muito feia. Era toda de madeira e pedra, sem cor nenhuma, sem dourado na borda, sem santo nem auréola, nem qualquer umas daquelas imagens assustadoras de lanças e dragões que eu adorava observar durante o sermão. A gente tinha se mudado havia pouco, e foi lá que passei a imaginar, a cada domingo, como seria meu encontro com Deus, na primeira comunhão. Se a gente mordesse a hóstia, sairia sangue de Jesus de dentro? E se a gente comesse muito, o corpo de Cristo iria se misturar à macarronada de domingo? Essas questões me atormentavam, e eu não via a hora de ser adulta para dormir tarde, ir ao baile de Carnaval, comungar e matar minha curiosidade. As noitadas teriam de esperar, já Deus eu conheceria em breve, nas aulas de catequese.
Um homem que abria o mar com um cajado, uma mulher que engravidava de uma pomba, um planeta inundado e uma arca com todos os bichos dentro, um grande pai que era três e que ainda por cima me amava, embora eu talvez não merecesse. De que mais uma criança de oito anos precisava? De um vestido. E começavam os burburinhos na escola em torno do tema. Minhas amigas já tinham ido à costureira meia dúzia de vezes, já tinham as pérolas do bordado, as rendas no colarinho, ao passo que eu era enrolada no caos da agenda da minha mãe. Ela estava grávida de muitos meses, e toda atenção que deveria estar voltada à minha primeira comunhão era diretamente desviada para a chegada da caçula. ‘Não se preocupe, é uma bata de seda lindíssima’, ela dizia. E eu repetia no recreio: ‘Ainda não experimentei, mas é uma bata de seda lindíssima’. (…)
No dia 2 de dezembro de 1989, na igreja de Santa Terezinha, me aboletei num banco com minha bata branca, que de seda nada tinha. Eu era uma espécie de franciscana com uma cruz de madeira pendurada ao pescoço e uma coroa de flores que me pesava como se fosse de espinhos. As meninas eram minidebutantes, e só não me aborreci mais porque, de algum jeito torto, acho que intuí que minha veste simplória resistiria melhor à atemporalidade do álbum de fotos. E elas não escondiam a decepção. ‘Mas não era de seda?’, repetiam enquanto desfilavam seus vestidos rodados, rendados, bordados. Mas o mais importante era que finalmente eu era digna da visita de Deus. Isso me enchia de vaidade, amor e alegria. Não senti nada quando a hóstia começou a derreter na língua, mas senti Deus explodindo nas minhas veias a cada passo da ida ao altar, em cada gesto dentro do figurino branco, diante das câmeras VHS, dos pais, tios e curiosos da plateia cheia. Minha primeira caminhada como atriz.”
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