“Qualquer suscetibilidade extrema sinaliza uma fragilidade interna. Em outras palavras, a facilidade com a qual me sinto ofendido revela que eu mesmo devo concordar, ao menos em parte, com a ofensa que recebi.”
“Morre uma professora dedicada. Eu não a conheci, mas, pelas mensagens que recebo, relembro como é dura a reconciliação com a presença concreta da morte para seus entes queridos. Eis que, no meio das mensagens, um padre solidário com a perda espera não constranger os seus colegas ateus com suas preces. Poucas vezes me deparei com um exemplo de tamanha delicadeza e sensibilidade. Que os ateus me desculpem, eu não rezo para ofendê-los, diz o padre. Como um conforto ao sacerdote, eu desejo sugerir que todos rezam. Uns acreditando, outros sem acreditar. Mas, perguntaria um crente, como rezar sem um Deus? Ora, responderia o ateu, e como rezar para divindade se o rezar é um ato pelo qual se aceita o mundo tal como ele é? Na sua bondade e maldade, nas suas trevas e luzes? Mais do que estabelecer um contrato com as divindades, a prece é, já dizia Mauss, o ato religioso mínimo para entrar em contato com o sobrenatural que nos cerca e aterroriza, sejamos crentes ou ateus. Rezar é reconhecer nossa finitude, fraqueza, carência, angústia e solidão. É admitir que vivemos numa totalidade que não podemos conhecer completamente. É um ato que pertence ao que Gregory Bateson chamou de ‘uma ecologia da mente’. Pois, quando rezamos, suspendemos o aqui e agora dominados pelo eu para irmos de encontro ao todo. Rezar é admitir que há no mundo seres e situações estranhas, acima (ou abaixo) dos elos entre meios e fins. Há quem use um canhão para matar um passarinho e quem tente enfrentar gorilas com poesia. O mundo não é claro como querem os materialistas, mas também não é absolutamente escuro como desejam os crentes.”
“Trago a pessoa amada em três dias. E melhor do que era antes.”
Na placidez, rumino a dor de não ter dor.
“Estamos lendo o jornal no terraço da nossa suíte num hotel de Nova York. Um dia de outono impecável. Nossa filha de 2 anos está sentada, feliz, a nosso lado, tomando mamadeira. Ela pula da cadeira e se abaixa, olhando alguma coisa no chão. Tira a mamadeira da boca, me chama e aponta para uma abelha, imóvel. Fica alarmada, balança a cabeça como se dissesse ‘não, não, não’. Aí diz: ‘A abelha parou’. E me ordena que ‘faça ela se mexer’. Na época, ela acreditava que eu tinha o poder de reanimar os mortos.”
“O que ocorreria se Jesus voltasse à Terra? Não posso falar do Brasil, mas creio ter uma ideia do que ocorreria se Jesus surgisse repentinamente nos Estados Unidos. Haveria o assombro, é claro, e um grande afloramento de emoções, êxtases e lágrimas. Depois, a realidade se imporia. Primeiro, Jesus teria de encontrar um cume de montanha de onde falar aos cristãos e a todas as outras pessoas que desejassem vê-lo e ouvi-lo. Mas que montanha seria? As mais belas estão nos parques nacionais dos Estados Unidos, e elas estariam fora de questão porque as leis regulamentam a quantidade de pessoas que se pode congregar num parque nacional. Vários Estados se ofereceriam então para o uso de montes pitorescos locais. Os Estados começariam a se digladiar. O governo federal se intrometeria. E haveria um debate sobre os limites do poder federal em relação ao estadual.
Nesse ínterim, vários eventos momentosos teriam ocorrido com o objetivo de desviar a atenção das pessoas da ocasião extraordinária do surgimento de Jesus. A estrela de reality shows Kim Kardashian anunciaria que está grávida de trigêmeos, resultado de uma anunciação milagrosa. Donald Trump renomearia seu império de Christ Properties. A Apple lançaria o iPodEternity. Liberais temeriam o potencial de Jesus como ditador. E conservadores, seu potencial como revolucionário. A classe média rogaria para ele diminuir os impostos.
Como o novo ambiente lhe seria totalmente estranho, Jesus teria de contratar alguns assessores. Essas pessoas imediatamente o aconselhariam a se manter a par da transformação vertiginosa dos fatos abrindo uma conta no Twitter. (…) Depois de criá-la, o filho de Deus simplesmente teria de marcar presença no Facebook. Mas que imagem ele deveria usar na sua home page? Uma bonita foto da cabeça? De frente ou de perfil? A representação de um artista (de Leonardo, talvez?) da Santa Ceia? Mas a ideia toda de uma última ceia poderia afastar algumas pessoas por ser demasiado lúgubre. Talvez um belo pôr do sol apenas. E quanto aos seus seguidores? E se ocorresse de Lady Gaga ter mais seguidores? Bem, uma vez resolvido o dilema do Facebook, Jesus teria de se preparar para as inevitáveis visitas a talk shows. No novo canal a cabo de Oprah, ele teria de discutir experiências extracorporais. No programa de Martha Stewart, contaria aos espectadores sobre a sua receita para pães e peixes instantâneos. No programa de Stephen Colbert, deixaria Colbert provocá-lo por ter um ‘complexo de Jesus’. Depois disso, os novos assessores de Cristo dariam um jeito para ele fazer um ‘tour de milagres’. Conseguir patrocinadores não seria problema. Mas seria preciso decidir que milagres produzir. Jesus teria de ter o cuidado de não ofender ninguém. Por exemplo, ressuscitar pessoas. Quem ele ressuscitaria? Ele não poderia mostrar favoritismo ressuscitando uma pessoa branca, mas não uma negra. Para não mencionar outras cores. E se ressuscitasse uma de cada, seria um homem ou uma mulher? Jovem ou velho? Rico ou pobre? Logo ele teria de ressuscitar todo o mundo. Só que aí ele teria de conseguir emprego para todos…”
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