“Produto genuíno da busca por simetria, a paixão nos apresenta (…) um espelho narcisista e atemporal que apaga as diferenças, a começar pela diferença dos sexos, para nos mergulhar no fascínio pelo outro, perfeito reflexo de nós mesmos. A paixão, glorificada e encorajada pelas mídias e pelos progressos da comunicação – os e-mails, os torpedos, que nos permitem estar ‘ligados’, mas sobretudo atados, acorrentados ao outro sem interrupção -, mantém a miragem da similaridade, a maravilhosa sensação de que o outro é nosso, completamente, que ele responde todas as nossas expectativas, assim como respondemos todas as dele. Tal como um seio materno que preenche o recém-nascido, que se deleita assim que saciado, mas que fica igualmente irado por ser tão dependente desse outro sem o qual ele não existe. A angústia do vazio é o duplo da paixão. Na maior parte do tempo, os casais fusionais acabam por ter a amarga experiência: como sentir minha existência se o outro já não está aí para me estender o espelho? E como me preencher se o outro já não me preenche?”
Trecho de Cenas da Vida Conjugal, livro do psicanalista francês Serge Hefez