“Isso foi depois da internet, mas antes do torrent: fui balconista de locadora de vídeo. ‘Que nem o Tarantino!’, sim já ouvi essa várias vezes, só me falta a carreira em Hollywood. Entrei em 1998, ano da transição do VHS para o DVD, portanto o aviso para rebobinar a fita ainda pairava sobre a minha cabeça em um cartaz na parede, como um mandamento solene. (…) A locadora ficava no Jardim Botânico, no meio da fina flor da burguesia carioca, o que foi uma lição sobre o ethos das nossas elites: era uma choradeira para pagar qualquer dívida, mínima que fosse. Uma cineasta (vou manter seu anonimato, ao qual aliás está acostumada) discutiu comigo por coisa de centavos em balas de menta, alegando achar que eram cortesia. Por mim até seriam, não fossem os balconistas também responsáveis pela bombonière e pelo fechamento do caixa, nos obrigando ao trabalho de corno de contar chiclete por chiclete e comparar o resultado com o montante na registradora –com desconto no salário quando os valores não batiam. Enfim, tempo bom que não volta mais, graças a Deus. Queria dedicar esse texto ao saudoso Marcão (que nos deixou em 2011), meu colega de balcão e rubro-negro como eu, e ao cliente vascaíno que torrava tanto o nosso saco que nos fez bater o camelódromo do Saara um dia inteiro até conseguirmos duas camisas do Real Madrid para recebê-lo no dia da derrota na final do mundial de clubes. O cara nunca mais voltou.”
Trecho de O Balconista, crônica do cartunista Arnaldo Branco
Publicado
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012 às 12:36 pm e categorizado como Blog.
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O cliente tem sempre razão?
“Isso foi depois da internet, mas antes do torrent: fui balconista de locadora de vídeo. ‘Que nem o Tarantino!’, sim já ouvi essa várias vezes, só me falta a carreira em Hollywood. Entrei em 1998, ano da transição do VHS para o DVD, portanto o aviso para rebobinar a fita ainda pairava sobre a minha cabeça em um cartaz na parede, como um mandamento solene. (…) A locadora ficava no Jardim Botânico, no meio da fina flor da burguesia carioca, o que foi uma lição sobre o ethos das nossas elites: era uma choradeira para pagar qualquer dívida, mínima que fosse. Uma cineasta (vou manter seu anonimato, ao qual aliás está acostumada) discutiu comigo por coisa de centavos em balas de menta, alegando achar que eram cortesia. Por mim até seriam, não fossem os balconistas também responsáveis pela bombonière e pelo fechamento do caixa, nos obrigando ao trabalho de corno de contar chiclete por chiclete e comparar o resultado com o montante na registradora –com desconto no salário quando os valores não batiam. Enfim, tempo bom que não volta mais, graças a Deus. Queria dedicar esse texto ao saudoso Marcão (que nos deixou em 2011), meu colega de balcão e rubro-negro como eu, e ao cliente vascaíno que torrava tanto o nosso saco que nos fez bater o camelódromo do Saara um dia inteiro até conseguirmos duas camisas do Real Madrid para recebê-lo no dia da derrota na final do mundial de clubes. O cara nunca mais voltou.”
Trecho de O Balconista, crônica do cartunista Arnaldo Branco
Publicado segunda-feira, 24 de dezembro de 2012 às 12:36 pm e categorizado como Blog. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.