“O contato com a realidade nos é imprescindível e não pode ser rompido sem o risco de graves consequências, senão fatais. Mas, como Freud nos mostrou, não fomos feitos para tolerar a realidade de forma contínua e ininterrupta. Dela necessitamos nos afastar periodicamente através do sono e do sonho, para, retemperados, aguentar suas severas exigências. Mesmo durante a vigília, com frequência escapamos de seus grilhões através dos sonhos diurnos, das fantasias e dos devaneios. De longa data a humanidade usa artifícios para tornar mais toleráveis as agruras da vida, como as drogas e as variadas crenças e ideologias. A esses recursos tradicionais, nossa época acrescentou a larga produção de entretenimentos empreendida pela indústria cultural, evidenciando nossa insaciável demanda por essa matéria, tão necessária para a vida psíquica quanto a alimentação o é para o corpo.
Sem negar a necessidade e a importância de medidas paliativas eficazes a curto prazo, devemos ter em conta que a arte, ao contrário do entretenimento (que tudo transforma em leve e agradável passatempo), não visa a acalmar e tranquilizar e sim expressar a complexidade da experiência humana, cujo leque de opções e escolhas, aberturas e impasses, não pode se eximir do mesmo e inevitável desfecho. A arte proporciona uma maior compreensão de nossa realidade psíquica, dos movimentos incessantes de nossos afetos, de nossas antinomias e descompassos, do fato de sermos divididos, vivermos em permanente conflito interno, plenos de contradições. É no compartilhar desse entendimento que a psicanálise e a arte estarão para sempre indissoluvelmente unidas, imbatíveis ao refletir a complexidade da mente, sua lógica própria, sua linguagem cifrada.
O reconhecimento da realidade interna e externa possibilitado pela arte e pela psicanálise não leva a uma acomodada aceitação das mesmas e sim a uma visão crítica que estimula a disposição para transformá-las, buscando a concretização possível dos próprios desejos e objetivos. Em última instância, a psicanálise e a arte ajudam, sim, àqueles que delas se aproximam, mas de forma diferente do aporte apaziguador que atenua ou nega a realidade, proporcionado pelo entretenimento e pelas terapias de apoio, o que não significa que estes procedimentos não tenham importância na economia psíquica.”
– O que tem de ser será?, perguntou o destino para o acaso.
– Claro que não! Nada tem de ser. Tudo apenas é.
– Eu inclusive?
– Você inclusive.
– Não há absolutamente nenhuma predeterminação em mim?
– Nenhuma.
– E em você?
– Menos ainda.
– Então o que nos distingue?
– Você prefere se enganar. Eu não.
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– O que tem de ser será?, perguntou o acaso para o destino.
– Claro que sim! Nada é aleatório. Tudo está previsto.
– Eu inclusive?
– Você inclusive.
– Não há absolutamente nenhuma casualidade em mim?
– Nenhuma.
– E em você?
– Menos ainda.
– Então o que nos distingue?
– Você prefere se enganar. Eu não.
E se Deus seguir o exemplo do papa e também renunciar?
“Pretendo morrer no Brasil. É mais confortável morrer em português. Como você vai dizer para o médico, em inglês, que está sentindo uma dor no peito, daquelas que respondem na cacunda?”
Feio? Não concordo. Digamos que tenho traços cubistas.
“Comemos a vida de outros para viver.
A falecida costeleta com o finado repolho.
O cardápio é um necrológio.
Mesmo as melhores pessoas
precisam morder, digerir algo morto,
para que seus corações sensíveis
não parem de bater.
Mesmo os poetas mais líricos.
Mesmo os ascetas mais severos
mastigam e engolem algo
que, afinal, ia crescendo.
Custa-me conciliar isso com os bons deuses.
Talvez crédulos,
talvez ingênuos,
deram à natureza todo o poder sobre o mundo.
E é ela, louca, que nos impõe a fome,
e ali onde há fome
finda a inocência.
À fome se juntam logo os sentidos:
o paladar, o olfato, o tato e a visão,
pois não é indiferente quais iguarias
e em quais pratos.
Até a audição participa
no que sucede, pois à mesa
não raro há conversas alegres.”
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