“A profissão de doméstica da forma como a conhecemos no Brasil vai acabar, o que é ótimo. Se as marcas de uma época podem ser duradouras na arquitetura nacional, certos hábitos precisam mudar logo. [Em uma coluna recente,] Danuza Leão lembra que, na França, as famílias podem deixar seus filhos em creches públicas, dispensando a necessidade de babá. No Brasil, a mãe teria que largar o emprego para cuidar dos filhos ou ter um salário alto para conseguir pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral: ‘Olha a complicação’. Tomara que o país continue se desenvolvendo e que todas as famílias venham a ter a possibilidade de usar creches públicas. Mas a prioridade não pode ser a conveniência da velha classe média em detrimento de direitos trabalhistas básicos.”
“Mark Zuckerberg gosta de manter a sala de conferências do Facebook em congelantes 15ºC. Eis algo que consegue me deixar irritada. Esse único fato é um sinal da maneira como trabalhamos hoje. Ele nos diz coisas sobre os jovens magnatas do Vale do Silício, homens, mulheres, produtividade e a falta dela. Mas, acima de tudo, levanta a questão: qual é a temperatura certa para trabalhar? (…)
Ao baixar a temperatura do escritório, Zuckerberg está exibindo a última novidade da moda administrativa que vem de São Francisco: o que eu chamo de dogmatismo pontocom. Ele só fica atrás de Marissa Mayer, do Yahoo – que recentemente disse aos funcionários que eles deveriam parar de vagabundear nas lojas da Starbucks e frequentar mais os escritórios do Yahoo. É como se essas companhias, tendo passado anos competindo para ser grandes amigas dos funcionários, finalmente percebessem que ‘relaxar’ não funciona – pelo menos metaforicamente. Então, elas foram para o outro extremo. Ou seja: o lugar de vocês é no escritório. E assim que os profissionais foram para lá, as empresas passaram a congelá-los. Ao optar por uma sala de reuniões com temperatura ártica, Zuckerberg está mostrando sua face ditatorial não só para os funcionários, mas também para os convidados do Facebook. A equipe de casa já está alertada de antemão e assim pode se proteger com blusas, enquanto os convidados ficam tremendo e em desvantagem. Testemunhei essa técnica há uma década, no escritório do falecido Lord Weinstock, presidente da GEC. Ele costumava deixar os visitantes em uma escuridão quase total, enquanto tinha um foco de luz sobre sua mesa.
O frio também tem implicações na batalha entre os sexos. As mulheres sentem mais frio que os homens, uma vez que uma porcentagem maior de seu sangue é usada para proteger seus órgãos – uma diferença biológica que mostra que homens e mulheres nunca foram feitos para compartilhar escritórios, quanto mais a cama. Aos 15°C, Zuckerberg se coloca em uma vantagem clara em relação às executivas do Facebook.”
Será a Vera mais verdadeira do que outras, que não são Veras?
“as sombras dos reis não me assustam
cada vez que as vejo
ilumino uma sala escura
de esquecimento.”
“A norma culta da língua é uma abstração. Um conjunto de leis perfeitamente modificáveis. Não é a Tábua da Lei. Entram e saem palavras nela. Entram e saem formulações. Para isso existem a escrita e os escritores. Os escritores, não os escreventes, como bem dizia Barthes. Deles vamos esperando a contribuição milionária dos erros, contra a miséria dos acertos estéreis.”
Melhor tirar o Feliciano da Comissão ou do armário?
“Se o sintoma neurótico é a verdade recalcada que retorna como uma espécie de charada que o sujeito não decifra, o mesmo vale para os sintomas sociais. O Brasil ainda sofre com os efeitos da falta de acesso à verdade dos períodos vergonhosos de sua história, desde a escravidão até a ditadura militar. O modo como a ditadura negociou sua dissolução com a sociedade brasileira – uma negociação entre quem tinha as armas na mão e quem até então estivera sob a mira delas – funcionou como um verdadeiro convite ao esquecimento.
O apagamento rápido (e forçado) dos crimes da ditadura lembra os efeitos perversos do esquecimento dos crimes da escravidão. No segundo caso, a falta de reconhecimento do estatuto criminoso de três séculos de escravidão impediu a promoção de políticas de reparação às populações afrodescendentes recém-libertas do cativeiro. Os sintomas do esquecimento estão aí até hoje, na perpetuação muitas vezes impune do trabalho escravo em fábricas e fazendas, a lembrar a advertência de Nabuco de que a prática continuada da escravidão perverteria a elite brasileira.
Não é absurdo pensar que o Brasil, país do esquecimento fácil, do perdão concedido antes por covardia e complacência do que por efeito de rigorosas negociações, seja um país incapaz de superar sua violência social originária. Os sintomas da brutalidade consentida ressurgem nas execuções policiais que vitimam jovens nas periferias de São Paulo, nas favelas do Rio e em todas as outras grandes cidades brasileiras. Ressurge nos assassinatos de defensores da floresta e pequenos agricultores, por jagunços e policiais a mando de grandes grileiros de terras.”
– Vó, posso contar um segredo para você?
– Claro que pode, Isabela!
– Que bom! Gosto muito de contar segredos para velhinhos.
– Então você pode contar também para o vovô. Ele está tão velhinho quanto eu.
– De jeito nenhum, vó! Não dá certo contar segredos para meninos…
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