“O jornalista formado por noções como independência e objetividade, o narrador que deve evitar ser protagonista da história hoje passa parte do seu tempo pedindo ao público: preste atenção em mim; leia minha reportagem; fale comigo pela mídia social. Mas a transformação não afeta só o jornalista. Clínicos gerais têm websites com depoimentos de pacientes curados. Catedráticos de universidades listam em suas homepages atributos que não comentariam nem na informalidade de uma reunião de departamento. (…) É absurdo e grotesco imaginar um mundo em que cirurgiões vão tuitar da sala de operações a extração bem-sucedida de um apêndice? Antes de rir, pare e pense sobre como o exercício da sua profissão tem testado os limites da sua compostura.”
“Jovem, eu havia começado a trabalhar no jornal que veio a ser o Diário do Grande ABC, no fim dos anos 50. Cabia-me cobrir as sessões da Câmara Municipal de São Caetano do Sul. Numa das primeiras sessões de nova legislatura, um senhor muito simples, de pouca escolaridade, eleito pela população de um dos bairros pobres da cidade, evangélico, resolveu exercitar piamente seu poder. Queria marcar posição.Propôs ao plenário um ‘voto de louvor ao autor da Bíblia’.O presidente da Câmara, que não estava culturalmente longe do proponente, pôs o projeto em votação: ‘Os vereadores que forem favoráveis permaneçam como estão. Os contrários, que se manifestem’. ‘Aprovado!’, proclamou ele. E acrescentou: ‘Peço ao nobre edil que deixe na secretaria da Câmara o nome e o endereço do destinatário’. Até hoje o louvor não chegou ao destino.”
“Se dinheiro traz felicidade? Não, não traz. Mas provoca uma sensação tão similar que é preciso um especialista para apontar a diferença.”
Deus existe. Ele só não quer é se envolver.
“O turista [de hoje], também ele, cumpre um dever. Há algo masoquista em comer a comida local, fazer esportes radicais, tolerar aquele calorão. O mundo do trabalho, é claro, já invadiu seu paraíso: é preciso acordar cedo, é preciso comer não sei o quê, é preciso, é preciso. O pacote que contratou agora o persegue.”
“O gravador é culpado pela glorificação viciosa da entrevista nos jornais e nas revistas. O rádio e a televisão, por sua própria natureza, converteram-na em gênero supremo, mas também a imprensa escrita parece compartilhar a idéia equivocada de que a voz da verdade não é tanto a do jornalista que viu como a do entrevistado que declarou. Para muitos redatores de jornais, a transcrição é a prova de fogo: confundem o som das palavras, tropeçam na semântica, naufragam na ortografia e morrem de enfarte com a sintaxe. Talvez a solução seja voltar ao velho bloco de anotações, para que o jornalista vá editando com sua inteligência à medida que escuta, e restitua ao gravador a sua característica verdadeira, que é a de testemunho inquestionável.”
Webmaster: Igor Queiroz