“As mulheres têm o dom de surtar. A fragilidade atávica lhes permite perder a cabeça, chorar além do suportável, entrar no túnel, sofrer até sair da pele. Aos homens, resta o recuo, a obrigação do amparo. A posição de vítima é, por conquista, da mulher.”
“Aquele lugar adorável onde amigos e parentes conseguem nos constranger ainda mais do que na vida real.”
“Meus pais morreram,
posso conferir na lápide,
nome, data e a inscrição: SAUDADES!
Não me consolo dizendo
‘em minha lembrança permanecem vivos’,
é pouco, é fraco, frustrante como o cometa
que ninguém viu passar.”
“O ator Emiliano Queiroz conta que frequentou, como ouvinte, o Actors Studio em Nova York e lá ouviu uma história sobre o mais conhecido ex-aluno do famoso curso de interpretação, Marlon Brando. Lhe contaram que certa vez o professor Lee Strasberg propôs ao grupo um exercício: todos deveriam se comportar como galinhas num galinheiro na iminência de um ataque nuclear. Os alunos passaram a se dedicar a diferentes graus de agitação, introjetando a provável reação das galinhas ao cataclismo anunciado. Todos menos um, Marlon Brando, que manteve-se tranquilo e sonolento sobre seu poleiro imaginário. No fim do exercício Strasberg pediu explicações a Brando, que respondeu: como uma galinha saberia que estava prestes a acontecer um ataque nuclear? Ele optara pelo realismo. Sua galinha desinformada não perderia a calma.”
“Fotografia 1
– Um cão, Laika, numa nave espacial, 5 de novembro de 1957.
– Morreu?
– Morreu.
– Os animais atirados ao ar. Como um grupo de adolescentes maldosos que, subitamente, num acesso de perversão mansa, agarram num cão sem dono e, com a força dos braços, começam a atirá-lo ao ar, como se festejassem algo.
– Atirar um cão ao ar.
– Atirar um homem ao ar.
– Meter um cão numa nave espacial para ver como ele reage.
– …
– O importante é estar ali um organismo.
– O cão teria dono?
– Não sei.
– Laika.
– É uma foto que comove, não?
– Um cão que não percebe nada de máquinas metido dentro da máquina mais avançada.
– Sputnik 2, o nome da nave espacial.
– Laika, o nome do cão.
– Está assustado?
– Não. Parece estar contente, ou quase contente.”
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