“Uma pessoa que nasce pobre, num dos chiqueiros do mundo, com pouca perspectiva de sobreviver, o que dirá de melhorar de vida, tem todo o direito de pensar que a sorte (ou Deus, ou que nome tenha o responsável pela sua sina) lhe foi cruel. E de assumir sua própria biografia, já que o destino que lhe foi reservado de nascença claramente não serve. Como um dos despossuídos da Terra, só tem duas opções: resignação ou fuga. Fatalismo ou revolta. Aceitar ou rejeitar sua sina. E literalmente desafiar a sua sorte. Dessa maneira, as cenas que se veem, de barcos precários lotados de imigrantes ilegais da África arriscando a vida para chegar à Europa, ou mexicanos sendo caçados na fronteira ao tentar entrar ilegalmente nos Estados Unidos, entre outras imagens de desumanidade e desespero, são cenas de uma tragédia recorrente e sem solução, mas uma tragédia com mais significados do que os que aparecem. Representam graficamente, didaticamente, a desigualdade entre nações pobres e ricas, que seria apenas outro fatalismo irredimível se a desigualdade não fosse deliberada, cultivada por nações ricas que muitas vezes estão na origem histórica da miséria dos pobres. E tem este outro significado, o de cada refugiado da sua sina representar um indivíduo em revolta contra o acaso que determinou que vida ele teria. São pessoas de posse da sua própria biografia, desafiando a ideia de que o destino de cada um está preordenado, na geografia ou nos astros.”