“Tornaram-se comuns, ao meu redor, pessoas que não têm responsabilidade nem culpa. São os autoindulgentes, uma legião que sempre diz a si mesmo que está tudo bem. São especialistas na arte de se perdoar. Ignoram a louça, o horário, os amigos, a família e, fundamentalmente, o sentimento dos outros. Fazem o que querem (…). O resto que se dane. São adolescentes adultos aprimorando a arte de fazer mal a si mesmos e aos demais. Eles não são egoístas. O egoísta é uma pessoa que cuida apenas dela mesma. Os autoindulgentes nem conseguem fazer isso. São egoístas míopes, que só enxergam as próximas oito horas. No longo prazo, são um desastre para eles mesmos. Preguiçosos e mimados, parecem imbuídos da sensação de que suas vontades são urgentes e todos os deveres (inclusive morais) podem ser adiados ou esquecidos. Acham que têm todo o tempo do mundo para fazer o que é certo. Hoje, porém, farão apenas o que têm vontade. (…) É tão comum como deprimente que o rebelde autoindulgente de agora – aquele que toma todas, faz de tudo e não deve satisfações a ninguém – termine, entre os 30 e os 40 anos, dando trabalho aos pais idosos, como se fosse uma criança. Sem nunca ter deixado a adolescência, acaba, na idade adulta, como dependente dos pais que despreza. Haja rebeldia! Se eu pareço raivoso, me desculpem. São sentimentos pessoais e biográficos – alimentados pela convicção de que vivemos uma epidemia de egos descontrolados. Nossa cultura fomenta o comportamento irresponsável em relação a si mesmo e aos demais. Sacrifício, apenas no contexto do trabalho. Quase todos sabem que é preciso ralar para ganhar dinheiro ou manter um bom emprego, mas, encerrado o expediente, um monte de seres humanos simplesmente aperta o foda-se.”