“Por séculos a nossa sociedade endeusou a ‘informação’ como um fim em si. Logo, ter muito de algo muito bom nunca foi visto como um problema, pelo contrário. Para mostrar seriedade, os políticos afirmam que leem três jornais assim que acordam – mesmo que a redundância represente tempo desperdiçado; um operador da Bolsa sempre tem pelo menos dois monitores na sua frente, para acompanhar tudo em tempo real – mas ele ignora que acompanhar microvariações obsessivamente dificulta uma visão mais ampla das trajetórias das empresas; nos vangloriamos de bibliotecas particulares repletas, mesmo que não tenhamos lido metade do que está na estante e continuamos comprando coisas novas; guardamos páginas nos favoritos para ler depois e nunca voltamos a elas; sintonizamos o rádio de manhã e ouvimos a situação do trânsito em uma rua que nunca vamos pegar. No fim, usamos muito a informação como marketing, e não somos os únicos. Os canais de notícia garantem que nos deixarão ‘bem informados sobre tudo’ e buscamos isso, ainda que, no fim do dia, não fique claro que diferença fez saber os resultados do campeonato francês ou os detalhes de uma nova enchente no Sudeste asiático.
Dá para dizer que você fica pior ao saber dessas coisas inúteis? Deixe eu colocar algumas minhocas na sua cabeça.
O nosso cérebro tem bastante espaço, é verdade, mas existe algo chamado ‘memória de trabalho’, algo como a RAM do computador, que – grosso modo – é onde fica o que estamos aprendendo antes de ser assentado na memória mais profunda. É possível sugerir que se entupirmos a nossa cabeça de coisa que necessariamente vamos esquecer antes de dormir podemos ficar sem espaço para rodar programas mais importantes, ou para desempenhar tarefas com mais foco. O espaço ocioso no cérebro é importante, para desenvolvermos novas ideias ou concatenar pensamentos soltos. Ainda sobre o nosso corpo, poderíamos também começar a pensar que ‘informação em excesso faz mal’ porque a maneira que escolhemos para consumi-la – cada vez mais, sentados diante de uma tela – pode arruinar nosso senso de tempo e aumentar o sedentarismo.
Precisamos notar qual o efeito psicológico que essas notícias têm sobre nós. Comece a perceber qual a sua reação ao ler algo online. Você fica mais ansioso, querendo responder imediatamente (talvez nos comentários)? Ou mais desnecessariamente preocupado, por causa da notícia de um crime ou um acidente de avião (o cérebro não se importa muito com estatísticas)? Ou mais desesperançoso e cínico, por não acreditar nos nossos representantes e na democracia, depois de mais uma notícia de corrupção (você lembra de ter lido algo positivo sobre algum político)? Com mais inveja de uma celebridade e sua barriga malhada? (…)
Não à toa, ser inteligente hoje poderia então ser definido como ser seletivamente ignorante. Ou, para usar uma citação de Nassim Taleb, autor do livro Antifragile: ‘Eles acham que inteligência significa notar coisas que são relevantes (detectar padrões); em um mundo complexo, a inteligência consiste em ignorar coisas irrelevantes (evitar padrões falsos)’.”
Trecho de Ser inteligente hoje é saber ser seletivamente ignorante, artigo de Pedro Burgos