Senhores de 81 anos ainda podem escalar o Everest?
Era terça-feira de Carnaval. Subvertendo a tradição modorrenta de outros tempos, as ruas paulistanas se encontravam repletas de foliões, que desfilavam com muito ímpeto e pouca ginga em blocos um tanto improvisados. Na contramão da farra, o apartamento onde meu pai vive há três décadas continuava silencioso e recatado como de praxe.
– Por acaso você tem aquele livro sobre o sertão de Minas? Um romance famosíssimo… Qual o título mesmo?, perguntou o velho, displicentemente, enquanto assistíamos à novela das seis (se é que alguém ainda diz “novela das seis”).
– Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. Tenho, sim. Está na redação ou em casa, não lembro direito.
– Me empresta? Quero ler.
“O Rinoceronte, a peça genial de Ionesco, e a denúncia ácida que faz do embrutecimento humano permanecem desconfortavelmente atuais, passado já mais de meio século de suas primeiras apresentações (a peça é de 1959). A imagem central e a dinâmica que estruturam o drama parecem antecipar algumas das principais críticas contemporâneas aos modos de convívio em nosso tempo hipertecnológico, hipermidiatizado e hiperconsumista. Ao longo da ação, os habitantes da cidade vão, pouco a pouco, desenvolvendo características que surgem como o avesso mesmo daquilo que nos faz humanos: uma couraça espessa os torna impermeáveis e insensíveis àquilo e àqueles que estão ao redor; uma miopia crônica os impede de ver amplamente e com clareza; uma intolerância absoluta os faz detestar a diferença; uma ferocidade absoluta os obstina a destruir os que não são de sua espécie. A alegoria, cuja mordacidade de origem tinha por objeto a ascensão dos totalitarismos do século 20, mantém sua força nos tempos dessa pós-modernidade que se quer fundamentalmente libertária e plural.
Na peça, de modo particularmente significativo, à medida que os rinocerontes se tornam maioria, escasseiam os diálogos e os espaços para o diálogo – não é mais possível sentar-se à mesa do café para trocar ideias – e o palco é tomado por uma ação frenética, desprovida de palavras, bruta. A praça pública, antes cheia de vida e animada pelas discussões entre o pedante Jean e o simplório Bérenger, se torna um deserto, um lugar proibido para aqueles que não querem se converter à forma dominante de paquiderme.
Esse tema da conversão compulsória, e das dificuldades em resistir-lhe, talvez seja uma das razões importantes para a atualidade do texto de Ionesco. Como já foi observado, uma das características das sociedades pós-modernas é a de que as relações, mesmo no espaço público, passam a ser fundadas na semelhança entre aqueles que se relacionam. A lógica que preside as trocas no Facebook e outras redes – o usuário aceita ou descarta amigos segundo sua conveniência individual, segundo se identifiquem ou não com aquilo que pensa – vai aos poucos se tornando, para muitos estudiosos, a matriz das relações interpessoais como um todo. A norma é evitar o desconforto da diferença e da contradição, não a de conviver com ele.
Essa tendência reverte os pressupostos que, até muito recentemente, eram hegemônicos para as trocas sociais. Não há muito, a expectativa de comunhão ou identidade de sentimentos recaía principalmente sobre o espaço privado, da família ou do círculo de amigos mais próximos. Entre esses, certa homogeneidade era esperada. Para o espaço público, a expectativa era diversa. Na rua, no mundo lá fora, esperava-se encontrar pessoas que tinham valores, opiniões e ideias possivelmente muito diferentes daquelas que dominavam o ambiente doméstico. Por isso, cada um deveria ter a habilidade de transitar harmoniosamente na ágora povoada por uma multiplicidade de visões de mundo. A civilidade era justamente a virtude de conviver com essas diferenças. Ela se fundava na crença de que a igualdade radical da condição de cidadão deveria prevalecer, no espaço público, sobre as singularidades do sujeito individual.”
Separada do ator Cauã Reymond, Grazi Massafera decide investir numa rotina mais lúdica. Convida o irmão (e grande amigo) para morar na casa dela, brinca diariamente de bailarina com a filha e tem aulas semanais de boxe
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