O que mais podemos fazer senão maldizê-la?

Mesmo que desejemos – e precisemos – nos enganar, o fato é que a morte não dá a mínima para nossas tentativas de ludibriá-la e, assim, retardá-la. Expansionista, tirânica, insaciável, desavergonhada, traiçoeira, invejosa, perversa, mal-ajambrada, worhaholic e imortal, a morte se impõe quando bem entende. Ela não respeita:
– 10 ave-marias, 30 pais-nossos e 50 salve-rainhas;
– o bater frenético dos atabaques, o silêncio dos monastérios, a pregação fervorosa dos pastores, o ajoelhar em direção a Meca, o caminho de Santiago, a persistência dos mantras, a antiguidade da Torá e a antiguidade ainda maior dos Vedas; 
– os três toques na madeira, os olhos gregos, as pimenteiras dentro de casa, os pés de coelho, os elefantes com os traseiros voltados para as portas, os crucifixos de madrepérola, as carrancas à frente dos barcos e os galhinhos de arruda atrás da orelha;
– as previsões dos astros, tarôs, búzios, runas e borras de café; 
– a lógica;
– a probabilidade;
– a arquitetura, a engenharia e a informática; 
– as tomografias, as ressonâncias magnéticas, os antibióticos, as vacinas, a acupuntura, a ayurvédica, os chás de boldo e as sementes de sucupira; 
– os dias magníficos de sol;
– os dias soturnos de chuva e neblina;
– a sabedoria;
– a ignorância;
– a euforia;
– a depressão;
– os que nos amam;
– aqueles que amamos;
– a ausência de gordura trans, a vitamina E, as fibras alimentares e o ômega 3;
– o protetor solar; 
– a infância, a juventude, a meia-idade e a velhice;
– a reunião inadiável, a viagem já marcada e a prestação de 24 meses;
– o “até amanhã”;
– o ganhador da Mega-Sena;
– o que perdeu tudo;
– a Irmã Dulce;
– o Muamar Al-Kaddafi;
– os pedidos de clemência;
– a blasfêmia;
– os recém-apaixonados;
– os recém-nascidos;
– os recém-chegados;
– os tímidos;
– os espalhafatosos;
– os prudentes;
– os imprudentes;
– a maternidade;
– a paternidade;
– os velozes;
– os lentos;
– os sobreviventes de uma tragédia;
– os moribundos;
– o cansaço;
– a disposição;
– nossos planos grandiosos;
– nossos afazeres domésticos;
– a meritocracia
– o mestrado, o doutorado e o pós-doutorado;
– o Nobel, a medalha Fields, o Pritzker, o Oscar, o Booker Prize e o Jabuti;
– os republicanos;
– os democratas;
– o instante do gozo;
– as oito horas de sono;
– a voz do Sinatra, o cérebro do Einstein, as pernas do Usain Bolt, os dedos do Jimi Hendrix, os pés do Pelé, as mãos do Picasso, os ouvidos do Mozart, a pança do Ronaldo e o bumbum da Miss Bumbum; 
– a Lauren Bacall;
– o Humphrey Bogart;
– a coragem;
– o medo.

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