“- Vou ser franca. Sempre achei horrível mandar para o mundo alguém que não tivesse pedido.
– Eu sei, mãe – disse Alain.
– Olhe ao seu redor: de todos que você vê, ninguém está aqui por vontade própria. Claro, o que acabo de dizer é a verdade mais banal de todas as verdades. A tal ponto banal, e a tal ponto essencial, que deixamos de vê-la e de ouvi-la.
Alain continuou seu caminho entre um caminhão e um carro que o apertavam dos dois lados havia alguns minutos.
– Todo mundo fala sem parar sobre os direitos humanos. Que piada! Tua existência não se fundamenta em nenhum direito. Nem mesmo acabar com sua vida por sua própria vontade eles te permitem, esses cavaleiros dos direitos humanos.
A luz vermelha acendeu em cima do cruzamento. Ele parou. os pedestres dos dois lados da rua começaram a caminhar para a calçada em frente.
– Olhe pra todos eles! Olhe! Pelo menos a metade das pessoas que você vê é feia. Isso também faz parte dos direitos humanos, ser feio? E você sabe o que é carregar sua feiura a vida inteira? Sem o menor descanso? Seu sexo também, você não escolheu. Nem a cor dos seus olhos. Nem seu século. Nem seu país. Nem sua mãe. Nada do que conta. Os direitos que um homem pode ter dizem respeito apenas a futilidades pelas quais não existe razão alguma para lutar ou escrever famosas Declarações!
Ele começou a andar e a voz da mãe amansou:
– Você está aí tal como é porque fui fraca. Foi culpa minha. Peço que me desculpe.
Alain calou-se, depois disse com voz calma:
– Do que você se sente culpada? De não ter tido força para impedir meu nascimento? Ou de não ter se reconciliado com minha vida, que, por acaso, não é assim tão ruim?
Depois de um silêncio, ela respondeu:
– Talvez você tenha razão. Sou, portanto, duplamente culpada.”