E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo?
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo?
“Eu juro que eu tento! Peço a Deus, a Nossa Senhora de Nazaré, aos espíritos protetores, a seu anjo da guarda, mas as nossas diferenças são tantas que me perturbam demais, me desestabilizam, chegam quase a me enlouquecer.
Cheiro horrível em seu quarto. Algo podre, com certeza. Indago já estressada e ele, com as doses extras de paciência tão peculiares, revira e quase comemorando me diz: ahhh, é um peixinho, mãe, e sorri. Sim, o peixe morreu e, como ele estava distante da lixeira, guardou-o no bolso. Isso há três dias!
Uma conjuntivite e uma consulta a um clínico geral e posterior indicação a um especialista. Algo grave, diz ele ao telefone, me pedindo para acompanhá-lo. Vou e, no caminho, ao conhecer os detalhes, me arrependendo de ter ido. Usou, pra não ir à farmácia, um colírio veterinário. Tentem imaginar a cara da jovem oftalmo.
O corte de cabelo inusitado e, na minha avaliação, horrível. Onde fizeste isso?, e de novo a calma irritante: a moça do petshop, que tosa os cachorros, é quem fez. Não ficou legal? E há poucos minutos o vejo saindo do prédio. Em uma mão, o celular e, na outra, o saco de lixo que deveria ter deixado no coletor. Saiu andando, faceiro e feliz, com os resíduos mal cheirosos.
Esse é o meu filho, que veio sob encomenda. Talvez pra me ensinar a viver com as diferenças ou pra testar a minha estabilidade emocional. Exigindo-me mais e mais sabedoria, mais e mais equilíbrio, mais e mais amor.”
“Às nove, os dois se olharam
Às nove e dez, se falaram
Lá pelas dez se beijaram
Às dez e meia, fugiram
Às onze e três, se casaram
Onze e um quarto, deitaram
Às onze e meia, se amaram
Ou, pelo menos, fingiram
Uma vida inteira
Numa noite só
História verdadeira
Até o nascer do sol
À uma e quinze, cansaram
Dormiram e não sonharam
Depois das três, acordaram
Nem eram quatro e saíram
Às quatro e pouco, ainda riram
Às quatro e tanto, calaram
No carro, mal se tocaram
No fim, nem se despediram
Uma vida inteira
Numa noite só
História verdadeira
Até o nascer do sol
E logo estava esquecido
Pensando bem, faz sentido
Os dois felizes pra sempre
Até baterem as cinco”
“Não entendo uma coisa: dizer não é e nem deve ser um ato totalmente pensado. As pessoas dizem coisas impensadas, dizem coisas para descobrirem o que pensam, para simplesmente agradar, preencher o vazio. Dizem coisas erradas. Dizem o que pensam e o que não pensam. Reproduzem falas e pensamentos alheios. A fala, em grande medida, é ar e é importante que seja assim. Então por quê, mas por quê, alguém fala uma besteira e é imediatamente condenado? Onde vamos parar se não pudermos mais errar em público?”
“De que serve ter o mapa se o fim está traçado?
De que serve a terra à vista se o barco está parado?
De que serve ter a chave se a porta está aberta?
De que servem as palavras se a casa está deserta?”
“Meus pais praticam o poliamor, um termo que partilha a sua origem entre o grego e o latim e que designa os relacionamentos românticos não monogâmicos em que há o consentimento de todas as pessoas envolvidas. Quando era pequeno, morava com o meu pai, a minha mãe, o companheiro da minha mãe e, durante um tempo, com a mulher do companheiro da minha mãe. A minha mãe chegou a ter até quatro homens em simultâneo. O meu pai também tinha as suas mulheres, o que significa que fui criado no meio de uma rede interligada de adultos que preservavam as relações não exclusivas, mas com compromissos que poderiam durar anos ou mesmo décadas. A primeira vez que me explicaram a situação eu tinha cerca de 8 anos. O meu irmão, na altura com 4 anos, perguntou o porquê de o James, o companheiro da minha mãe, passar tanto tempo com a gente.
‘Porque eu o amo’, disse a minha mãe, com toda a naturalidade.
‘Bem, isso é bom’, disse o meu irmão, ‘porque eu também o amo’.
A verdade é que era tudo bastante simples. Em retrospectiva, o que mais me maravilhava na nossa situação era como tudo parecia tão esmagadoramente normal. Muitos gostariam que tivesse sido mais emocionante, que eu tivesse apanhado os meus pais no meio de uma orgia turbinada com anfetaminas, cheia de pessoas com o rabo de fora, freiras e aves de capoeira. Mas não. A minha era uma família disfuncional como outra qualquer. (…)
Ao fazer o balanço da minha vida, acho que a educação que me foi dada nesse ambiente fez de mim uma pessoa melhor. Tive a oportunidade de falar com adultos de origens muito distintas, fossem os companheiros dos meus pais ou os companheiros dos companheiros deles. Vivi com gays, héteros, bis, transexuais, escritores, cientistas, psicólogos, pessoas ricas e pessoas pobres. Crescer neste meio tão variado contribuiu para ampliar a perspectiva que tinha do mundo e para forjar a minha personalidade.
Nunca invejei os meus amigos com pais monogâmicos. Uns viviam com dois ou só com um progenitor, outros com padrastos, com avós ou com tias ou tios. Logo, a minha situação não era assim tão estranha. Acho que não devem existir muitas diferenças na maneira como pais monogâmicos ou poliamorosos lidam com os filhos. Bons pais são aqueles que o são independentemente do número. Felizmente, os meus eram incríveis.
E eu não acho que as relações poliamorosas sejam melhores do que as monogâmicas. São simplesmente diferentes, mas gostaria que não fossem tão estigmatizadas. Apenas 17% das culturas humanas praticam a monogamia estrita, enquanto as restantes englobam uma mistura de relacionamentos. Não existe uma família tradicional. No seu livro Sex at Dawn, o escritor Christopher Ryan explica que a monogamia remonta apenas à época da revolução agrícola. Antes disso, vivíamos em pequenas comunidades que partilhavam os seus pertences (alimentos, abrigo, ferramentas etc.). Após a chegada da revolução agrícola, a monogamia começou a desenvolver-se como resultado da preocupação pela perpetuação da espécie e do sistema para herdar bens materiais. De acordo com o escritor, o comportamento romântico que os seres humanos têm atualmente revela um caráter puritano desnecessário: ‘Trata-se de uma uma visão vitoriana e ultrapassada da sexualidade humana, em que o desejo está vinculado aos direitos de propriedade’. O século 20 testemunhou o regresso às nossas raízes poliamorosas, consequência da revolução sexual e do feminismo e, também, de uma maior independência econômica das mulheres. Parece-nos que essa tendência vai continuar a crescer. (…)
Passamos grande parte da nossa vida em sofrimento e a lutar; o resto é amor e uma boa pizza. Levando em conta o fragmento do tempo cósmico de que desfrutamos neste minúsculo grão de areia a que chamamos Terra, não podemos simplesmente aceitar que o amor é amor, seja entre raças diferentes, entre pessoas do mesmo sexo ou entre mais de duas pessoas?”
“Faz três sumana
Que na festa de Sant’Ana
O Zezé Sussuarana
Me chamou pra conversar
Dessa bocada
Nóis saímo pela estrada
Ninguém não dizia nada
Fumo andando devagar
A noite veio
O caminho estava em meio
Eu tive aquele arreceio
Que alguém nos pudesse ver
Eu quis dizer
Sussuarana, vamo imbora
Mas Virgem Nossa Senhora
Cadê boca pra dizer?
Mais adiante
Do mundo já tão distante
Nóis paremo um instante
Predemo a suspiração
Envergonhado, ele partiu para o meu lado
Ó Virgem dos meus pecados
Me dê absorvição
Foi coisa feita
Foi mandinga, foi maleita
Que nunca mais indireita
Que nos botaram, é capaz
Sussuarana, meu coração não me engana
Vai fazer cinco sumana
Tu não volta nunca mais”
“Siga em frente! Se você for feliz, a responsabilidade é sua. Se for infeliz, a culpa é minha.”
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