“- Que pessoa viva você mais admira?
– Elvis.”
“Com as últimas chuvas você se foi
e então acreditei
que na casa mais aborrecida do subúrbio
não haveria primaveras
nem outonos nem invernos nem verões
“Os animais existem por suas próprias razões. Eles não foram criados para os humanos, assim como as mulheres não foram criadas para os homens e os negros não foram criados para os brancos.”
“Eu tinha medo de dormir na casa do meu avô. Era um sobradão colonial enorme, longos corredores, escadarias, portas grossas e pesadas que rangiam, vidros coloridos nos caixilhos das janelas, pátios calçados com pedras antigas… De dia, tudo era luminoso. Mas quando vinha a noite e as luzes se apagavam, tudo mergulhava no sono: pessoas, paredes, espaços. Menos o relógio. (…) Quando todos dormiam, ele acordava, e começava a contar estórias. Só muito mais tarde vim a entender o que ele dizia: ‘Tempus fugit‘. E eu ficava na cama, incapaz de dormir, ouvindo sua marcação sem pressa, esperando a música do próximo quarto de hora. Eu tinha medo. Hoje, acho que sei por quê: ele batia a Morte. (…)
Tenho saudades daquele relógio. Por sua tranquila honestidade, repetindo sempre, incansável, ‘Tempus fugit‘. Ainda comprarei um outro que diga a mesma coisa. Relógio que não se pareça com este meu, no meu pulso, que marca a hora sem dizer nada, que não tem estórias para contar. Meu relógio só me diz uma coisa: o quanto eu devo correr, para não me atrasar. Com ele, sinto-me tolo como o Coelho da estória da Alice, que olhava para seu relógio, corria esbaforido, e dizia: ‘Estou atrasado, estou atrasado…’
Não é curioso que o grande evento que marca a passagem do ano seja uma corrida, corrida de São Silvestre? Correr para chegar aonde? Passagem de ano é o velho relógio que toca o seu carrilhão. O sol e as estrelas entoam a melodia eterna: ‘Tempus fugit‘. E porque temos medo da verdade que só aparece no silêncio solitário da noite, reunimo-nos para espantar o temor, e abafamos o ruído tranquilo do pêndulo com enormes gritarias. Contra a música suave da nossa verdade, o barulho dos rojões… Pela manhã, seremos, de novo, o tolo Coelho da Alice: ‘Estou atrasado, estou atrasado…’ Mas o relógio não desiste. Continuará a nos chamar à sabedoria.”
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