O sumiço de Teresa

Depois de encalhar em Angra, orca-pigmeia não manda mais notícias

Cadê Teresa? Ela nunca dava as caras. Numa tarde de março, chegou sem avisar. Estava bem desorientada. Precisava de ajuda. Muita gente se comoveu e fez de tudo para animá-la. Funcionou. Teresa se recuperou, ainda que lentamente. Ficou tão aprumada que, certa manhã, pegou carona num barco e caiu fora, mas jurou que mandaria notícias. Por um tempo, cumpriu a promessa. Enviou mensagens bastante alentadoras, em que demonstrava se sentir cada vez melhor. De uma hora para outra, porém, meteu um ghosthing e sumiu sem dizer tchau. Será que, um dia, vai aparecer novamente?
Não, a Teresa daqui não tem nenhum parentesco com aquela do Jorge Ben Jor, que resolveu sambar no morro e jamais voltou. A protagonista desta história é uma orca-pigmeia. Como pertence à família dos delfinídeos, os cientistas a consideram um tipo de golfinho. Ela, de fato, lembra os cetáceos que equilibram bolas ou cruzam arcos em parques aquáticos. Não dispõe, no entanto, do “bico” característico de seus parentes mais conhecidos. Em vez de pontiaguda, a boca de Teresa é arredondada. Daí a associação com a orca, também um golfinho sem “bico”, apesar de o senso comum defini-la como uma baleia.
Predominantemente negra, Teresa exibe manchas esbranquiçadas na barriga. Mede 2,25 metros e pesa 116 kg. Ninguém sabe direito quando nasceu, mas tudo indica que se trata de um mamífero adulto (as orcas-pigmeias vivem cerca de trinta anos). Com 22 dentes na mandíbula superior e 26 na inferior, gosta de comer peixes e lulas. Costuma se deslocar em grupos de pelo menos quatro indivíduos. Não raro, um deles mordisca a nadadeira do outro. “É um jeito de se comunicarem. Humanos trocam abraços e apertos de mãos. Golfinhos se mordem ou compartilham esfregadinhas”, explica o biólogo Rafael Ramos de Carvalho, pesquisador da Uerj.
As orcas-pigmeias normalmente apresentam comportamento dócil. Só se tornam agressivas em cativeiro. Identificadas pela primeira vez na segunda metade do século XIX, não correm risco de extinção, conforme a União Internacional para a Conservação da Natureza. Habitam águas tropicais e subtropicais de todo o mundo, mas são difíceis de encontrar (e estudar) porque nadam longe da costa, nos chamados taludes – regiões oceânicas com mais de 200 metros de profundidade.

Às 16 horas do último dia 4 de março, dois policiais militares patrulhavam a Ilha Grande, em Angra dos Reis, quando avistaram Teresa. Ela havia se perdido e encalhado na Praia de Provetá. Estava muito distante de casa, já que o talude fica a 140 km daquele ponto do litoral fluminense. “Os golfinhos se desorientam por diferentes motivos”, afirma Carvalho. “Às vezes, o ruído de navios ou de atividades petrolíferas os atrapalha. Outras vezes, o desnorteamento resulta da poluição marítima ou de alguma doença.”
Embora respirem fora d’água, pois têm pulmões e não brânquias, as orcas-­pigmeias podem morrer caso encalhem e ninguém as acuda. Em terra, a força da gravidade lhes pressiona excessivamente os órgãos, o que acaba por sobrecarregá-­los. Não bastasse, a pele delas resseca bem rápido e ganha feridas preocupantes. Há, ainda, o alto nível de estresse que qualquer bicho selvagem manifesta quando sai do habitat natural. Na esperança de salvar Teresa, a dupla de PMs a isolou e pediu auxílio especializado. Os biólogos, veterinários e oceanógrafos convocados logo perceberam que o golfinho necessitava de socorro hospitalar. Na manhã do dia 5, depois de quinze horas encalhada, ela finalmente pegou uma lancha para o Centro de Reabilitação e Despetrolização de Animais Marinhos, também em Angra. Foi lá que a batizaram de Teresa, uma brincadeira com o nome científico das orcas-pigmeias (Feresa attenuata).
Exames mostraram que a paciente desenvolvera uma pneumonia grave, além de alterações neurológicas que a faziam nadar sem direção e flutuar de maneira inadequada – seu corpo sempre virava de lado. Por duas semanas, doze profissionais cuidaram de Teresa em três piscinas de tamanhos diferentes. “Nunca a deixávamos sozinha. Mesmo à noite, tinha alguém dentro d’água para impedi-la de afundar ou ficar parada durante muito tempo”, conta a veterinária Anneliese Kyllar. A médica é uma das coordenadoras do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS), executado pela Petrobras desde 2015 em parceria com diversas instituições públicas e privadas. A iniciativa busca diminuir o impacto que a produção e o escoamento de petróleo exercem sobre as aves, os mamíferos marinhos e as tartarugas nos municípios litorâneos de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.

Assim que Teresa melhorou, iniciaram-se os preparativos para devolvê-la à natureza. A equipe que se encarregou da reabilitação fixou um pequeno rastreador na barbatana da orca-pigmeia. O aparelhinho retangular atua como um GPS. “Precisávamos saber se, depois de solta, Teresa retornaria para o talude”, diz Carvalho. O pesquisador da Uerj integra o Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores, que faz parte da faculdade de oceanografia e assessora o PMP-BS. “Alcançar de novo o talude seria o principal indicativo de que Teresa sarou totalmente e conseguiu se reorientar”, prossegue o biólogo.
Em 18 de março, um barco partiu cedinho de Angra com a orca-pigmeia no convés. Ela estava sobre um colchão inflável. Um grupo de veterinários averiguava a frequência cardiorrespiratória e a temperatura do golfinho. Também molhava regularmente seu corpo com água salgada. “Navegamos por duas horas e percorremos uns 35 km”, recorda Carvalho. “Quando cruzamos a Baía da Ilha Grande, libertamos Teresa.”
O rastreador indicou que, num primeiro momento, a orca-pigmeia se manteve perto da costa fluminense. Passou pela Barra da Tijuca e pelas Ilhas Cagarras. Na altura de Maricá, se afastou das zonas costeiras até atingir o talude em Arraial do Cabo. Depois, desceu para São Paulo e atravessou o Paraná. Ao longo do trajeto, zanzou por mares com quase 2 km de profundidade. “Não fazemos ideia se Teresa arranjou companhia. O rastreador não capta informações desse tipo”, esclarece Carvalho.
O aparelho transmitiu a última localização da orca-pigmeia em 8 de abril. Ela ainda estava no talude, mas se aproximava de Florianópolis. “Perdemos o sinal do rastreador. O equipamento deve ter quebrado ou ficado sem bateria. Uma pena…”, lamenta o biólogo. “Rastreadores não funcionam para sempre, claro. O de Teresa nos abasteceu de dados por 22 dias. Já houve casos, porém, em que os aparelhos duraram mais de sessenta.”
O bom é que, enquanto se comunicou com os pesquisadores, o golfinho provou que esbanjava saúde. Antes de Teresa despontar na Ilha Grande, o PMP-BS registrou apenas um outro encalhe de orca-pigmeia. Infelizmente, o cetáceo acabou morrendo. “Espero que Teresa continue no talude e nunca regresse para a costa”, diz Carvalho. “Agora, se ela arrumar um modo de enviar notícias, a gente agradece.”
(revista piauí)

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