Os “pôsteres de boas maneiras” que viraram tradição nos trens e metrôs japoneses
Quem gosta de design gráfico provavelmente sorri quando vê um tipo muito particular de cartaz que se espalha pela rede ferroviária do Japão. São os “pôsteres de boas maneiras”, batizados de manā posutā. Estações, trens e metrôs costumam exibi-los para recomendar ou desaconselhar certas atitudes dos passageiros. As sugestões pretendem garantir o conforto das viagens, aumentar a segurança e manter o transporte pontual.
É uma ambição nada desprezível num sistema que funciona bem acima da capacidade máxima. Se os milhões de usuários do serviço agirem de modo adequado, os embarques ocorrerão sem atropelos – ninguém vai atrapalhar o fechamento das portas ou se acidentar – e os vagões superlotados ficarão menos insuportáveis, além de partirem na hora.
Os cartazes, engenhosos e coloridos, lembram mais anúncios publicitários que placas de aviso. Ora se valem de fotografias, ora de desenhos. Às vezes, parodiam clássicos da pintura, como O grito, de Edvard Munch, ou brincam com astros do cinema e dos quadrinhos. Entre os temas que abordam, destacam-se o manuseio de bagagens, o uso de celulares e tablets, o descarte de lixo, a postura nos assentos e a modulação da voz durante as conversas. A ideia é educar pelo bom humor ou pelo lirismo.
As próprias companhias férreas, a maioria privatizada, concebem os pôsteres, geralmente em parceria com agências de propaganda. Os primeiros surgiram no reinado do imperador Taishō (1912-26). Esporádicos, simples e meio sisudos, pediam que os passageiros não se debruçassem sobre as janelas dos vagões, evitassem deslocamentos supérfluos em horários de rush e não esquecessem pertences dentro dos trens.
Só muito tempo depois é que os manā posutā tornaram-se habituais. Nos anos 1970, a Eidan, uma das empresas que operavam o metrô de Tóquio, chamou a atenção por lançar cartazes inovadores e divertidos todos os meses. Uma imagem de Marilyn Monroe, criada com aerógrafo em 1976, ilustrava um deles. O trabalho fez tanto sucesso que o público roubou 90% das cópias afixadas nas estações.
A iniciativa da Eidan inspirou outras concessionárias, e os “pôsteres de boas maneiras” viraram tradição. Em 2020, na pandemia, a West Japan, que serve cidades importantes como Osaka e Kyoto, distribuiu pelos trens inúmeros cartazes sobre as novas regras sanitárias. A turma do gato-robô Doraemon, um querido personagem de mangás, estrelou a campanha.
Antes, entre 2016 e 2018, a Seibu Railway desenvolveu talvez a série mais bonita de manā posutā. Com a ajuda da agência Dentsu, bolou nove pôsteres semelhantes às ukiyo-e, xilogravuras características do período Edo (1603-1867), fase em que o Japão se fechou para o mundo e gozou de certa paz. À época, a classe emergente dos comerciantes gastava muito com diversões e obras de arte. Na tentativa de atraí-la, mestres da ukiyo-e se dedicaram à confecção de gravuras que representavam justamente as predileções da burguesia em ascensão: o teatro Kabuki, as lutas de sumô, as gueixas, as cortesãs e a pornografia. As ilustrações também retratavam lendas populares, guerreiros e cenas da natureza.
Embora o estilo das ukiyo-e não seja tão conhecido dos brasileiros, as grosserias que os cartazes da Seibu Railway condenavam definitivamente são.
(revista piauí)