Arquivo de março de 2025

sábado, 1 de março de 2025

Amuleto às avessas

Uma cadelinha festeira e a má fase do Fluminense

Será que a Pretinha do Tricolor, o gracioso amuleto do Fluminense, parou de dar sorte? Será que a patinha quente da poodle esfriou? Talvez a dúvida esteja assombrando muitos torcedores do time carioca. Nada mais compreensível. Em fevereiro de 2022, a cadelinha – que agora tem 7 anos – chegou às redes sociais por um motivo tão insólito quanto divertido.
Ela não somente acompanhava todos os jogos do clube pela tevê como festejava os gols da equipe (e apenas os da equipe) com giros frenéticos e latidos. Depois que as cenas das comemorações viralizaram, Pretinha se transformou em big star. Protagonizou reportagens na mídia profissional, fez publis para marcas de renome e tirou um zilhão de fotografias junto dos fãs.
Quando a cadela ganhou fama, o Fluminense não conquistava nenhum torneio ou campeonato respeitável havia uma década. Em abril de 2022, contudo, a agremiação se sagrou campeã do Rio de Janeiro. Bateu o arquirrival Flamengo nas finais, o que deixou o triunfo ainda mais saboroso. Em 2023, o time disputou o título do Campeonato Carioca novamente contra o rubro-negro e, outra vez, levou a melhor. De quebra, faturou a dificílima Copa Libertadores da América, façanha inédita na história do clube.
Para os supersticiosos, o advento de Pretinha afugentou a urucubaca das Laranjeiras – bairro que abriga a sede do Flu – e selou as pazes do tricolor com a glória. Tudo indicava, portanto, que os resultados positivos se repetiriam em 2024. Só que não…
A equipe até começou a temporada de boas e abocanhou a Recopa, confronto em que o ganhador da Libertadores enfrenta o da Copa Sul-Americana. No decorrer do ano, porém, as coisas desandaram feio. O time apresentou desempenho pífio em todas as competições que encarou. Jogou a maior parte do Brasileirão, por exemplo, sob ameaça de rebaixamento. Escapou da degola somente na última rodada. Em janeiro de 2025, a bruxa continuou solta, e o Flu iniciou o Carioca com um empate sem gols diante do inexpressivo Sampaio Correa. Não satisfeito, cambaleou durante a primeira fase inteira, de tal modo que venceu míseras quatro partidas das onze disputadas. Mesmo assim, se classificou para as semifinais, que devem terminar logo depois do Carnaval.

Poodle tamanho um. É desse jeito que os especialistas qualificam Pretinha, um cão de pequeno porte e 7 kg. A numeração a diferencia dos poodles tamanhos zero (os toys), dois (os médios) e três (os gigantes). Desde 2018, a cachorra vive em São Gonçalo, município do Grande Rio. Divide um apartamento de aproximadamente 50 m² com os tutores: o taxista Abraão Moraes Barroso, a securitária Ana Lúcia e o filho do casal, Abraãozinho, que cursa estatística numa universidade pública. A família adquiriu a doguinho de um criador. “Ela tinha uns 60 ou 70 dias quando a pegamos”, relembra Barroso.
No apartamento do taxista, todos são tricolores doentes. Por isso, não perdem nenhum jogo do clube. Veem as partidas num televisor de 55 polegadas ou, mais raramente, no estádio. Quer dizer: Ana Lúcia nem sempre assiste às disputas. Caso se trate de uma batalha decisiva, ela guarda distância da transmissão para não sofrer em excesso.
Antes de Pretinha, a família cuidou de outras cadelas: Kaddy, Lily e Meggie. O trio não gostava de futebol, embora permanecesse diante da tela enquanto os tutores xingavam ou aplaudiam o Fluminense (a televisão fica no quarto do casal). As cachorras suportavam aquela patacoada por mera fidelidade. A poodle, entretanto, agiu de maneira diferente mal se defrontou pela primeira vez com um jogo da equipe. Prestou atenção em cada detalhe, mais ou menos como fazia quando a tevê exibia desenhos animados.
À medida que os meses passavam, a cadelinha emitia sinais de que sacava melhor a dinâmica das partidas. Ela as observava deitada sobre a cama de Barroso e Ana Lúcia. Nas ocasiões em que o Flu atacava perigosamente, Pretinha se erguia, mexia as orelhas e empinava o rabo. Só voltava para a posição de descanso após o término da jogada. Se o time marcasse um gol, a cachorra explodia de felicidade (ou algo que o valha). Irrompiam, então, os tais giros em círculo e muitos, muitos latidos. A poodle se portava assim apenas durante os confrontos do tricolor. Nos das outras agremiações, se mantinha impassível, à semelhança de um monge budista em meditação.
Inicialmente, o animal parecia imitar os tutores. Mas, depois, resolveu torcer por conta própria. Mesmo que ninguém desse um pio no quarto e que a tevê estivesse muda, a cadela identificava os lances promissores e celebrava os gols. Bastavam as imagens para atiçá-la. “Ela aprendeu tudo sozinha”, jura o taxista. “A gente nem saberia como treiná-la com tamanha eficiência.”
Certo dia, Abraãozinho filmou as reações de Pretinha, e Barroso as publicou em quatro grupos do WhatsApp – o dos parentes, o das peladas dominicais, o da igreja (a família é batista) e o de ex-colegas do Exército (“servi no 3º Batalhão de Infantaria quando jovem”). Os registros alcançaram Marco Aurélio de Oliveira, o Marcão, auxiliar técnico do Fluminense, que os divulgou imediatamente. Pronto: a mágica aconteceu. De uma hora para outra, a bichinha atingiu o estrelato.
Hoje, os perfis da cachorra no Instagram, TikTok e YouTube somam 855 mil seguidores. Quem os administra é Abraãozinho. “Toda vez que o tricolor joga, tenho que postar vídeos com as atitudes da Pretinha. A torcida meio que exige”, conta o rapaz. Entre as marcas que já encomendaram anúncios à cadela, figuram a Coca-Cola e a Paramount. Enquanto acompanha as partidas, Pretinha costuma vestir uniformes do Fluminense, confeccionados especialmente para cães.
Ela agora esbanja saúde, mas amargou sérios transtornos em outubro de 2023. Foi diagnosticada com câncer, precisou extrair uma das cadeias mamárias e passou um mês longe do futebol para que as “fortes emoções”, como dizia o veterinário, não atravancassem o pós-operatório.
À época da cirurgia, a família de Pretinha decidiu lhe arranjar companhia e adotou uma filhota de poodle, a Nina (o nome homenageia o zagueiro Nino, ex-capitão do Flu). A fedelha, no entanto, não manifesta o mínimo apreço pelo rude esporte bretão. Prefere dormir em frente à tevê sempre que 22 marmanjos se engalfinham por causa de uma bola.

“Claro que as más campanhas do Fluminense não têm qualquer relação com minha cachorra”, proclama Abraãozinho, num híbrido de indignação e deboche. O estudante acredita que o time fez uma aposta arriscada em 2024: contratou um número demasiado de “atletas experientes”, como o meio-campista Renato Augusto, o ponta-direita Douglas Costa e o volante Gabriel Pires, todos na faixa dos 30 anos. “O clube envelhece o elenco, e a culpa dos fracassos é da Pretinha?”
Sob a ótica do rapaz, a cadela continua, sim, abençoando a equipe. “Apesar do sufoco, o Fluminense avançou no Carioca de 2025 e, o mais importante, conseguiu se livrar do rebaixamento no Brasileirão. Eu mesmo pensei que já não havia chance de evitar a série B. Mas, no último instante, os ventos mudaram. Por quê, hein?”
(revista piauí)

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