Já sabemos que Eduardo Cunha não é propriamente um deputado federal. O sujeito está mais para polvo, com tentáculos que se espalham por todo lado. Trabalhou como auditor e corretor de seguros, integrou a tropa de choque que assessorava Fernando Collor, dirigiu a Telerj – antiga companhia fluminense de telecomunicações –, preside a Câmara, esconde dinheiro na Suíça, conspira, faz chantagens, manipula CPIs e, evangélico, ainda dissemina lições de Cristo pelas redes sociais (ou o que entende por lições de Cristo). Não bastasse, agora descobrimos que o homem também lida com táxis. Segundo o jornal carioca O Dia, o jardim da casa onde o parlamentar mora, na Barra da Tijuca, abriga um carro de praça. O Touareg modelo 2014, de Nilópolis, exibe a placa LSM 1530. Por uma dessas coincidências que só a metafísica explica, o número é o mesmo que o político usou em campanhas recentes. O automóvel costumava transportar o então candidato durante o périplo eleitoral.
Vote Cunha 1530. Um tal de Altair Alves Pinto provavelmente votou. O táxi se encontra em nome do cara, que já prestou serviços no gabinete do deputado estadual Fábio Silva, peixinho de Cunha. Salário bruto do Altair? Quase R$ 10 mil, pagos pela Assembleia Legislativa do Rio. Em depoimento à Lava Jato, o doleiro e delator Fernando Baiano afirmou que repassou propinas milionárias para o dono do Touareg. A grana teria o presidente da Câmara como destinatário final.
Pelo andar da carruagem, às vezes me pergunto se o Cunha não está por trás de cada suborno que os brasileiros praticam, incluindo os mais chinfrins. O policial ganha “um cafezinho” para aliviar a infração de trânsito. O garçom recebe um agrado do freguês cinco estrelas para lhe garantir a melhor mesa. Será que o Cunha não leva 10% nessas transações?
“Quanto de mim pode ser eliminado antes que eu deixe de ser eu?”
“Imagine a situação. Você vai ao banheiro. Com pressa, sai sem lavar as mãos. Ao tentar abrir a porta, nota que ela se trancou automaticamente, e um alarme soa. Só então você entende: ou lava as mãos, pressionando a alavanca na saboneteira, ou a porta não se abrirá. Parece ficção, mas produtos assim já existem. O Safegard Germ Alarm é uma saboneteira que faz exatamente isso. Aciona um comando digital se percebe que você está deixando o banheiro sem lavar as mãos. Esse comando pode ser usado para qualquer coisa, como tocar um alarme ou trancar a porta.
Essa é uma das facetas menos visíveis da chamada ‘internet das coisas’: seu uso para controle social. Agora, objetos comuns irão se conectar à rede. Geladeiras, ventiladores, ferros de passar, fechaduras, carros, cadeiras e até nossas camas ficarão cheios de sensores observando nosso comportamento. Poderão agir automaticamente, tomando decisões. A geladeira avisará ao supermercado que o leite acabou. A cama contará ao plano de saúde que você está dormindo pouco.
Essa tecnologia não é neutra. Traz visões políticas embutidas. (…) Coloca sobre o indivíduo todo o peso e responsabilidade por suas ‘falhas’. Isso nos leva a ignorar as causas mais profundas para várias dessas questões, como pobreza, doenças ou ignorância. Nas palavras do escritor Eugeny Morozov: ‘A política deixa de ser uma aventura comum para se tornar um espetáculo individualista destinado ao consumidor, no qual confiamos aos aplicativos a busca de soluções sociais’.”
“Era a primeira vez do tio Abraão no Rio de Janeiro. No aeroporto de Santa Catarina, os parentes o alertaram:
— Os taxistas lá são folgados. Seja firme. Fale grosso. Mostre quem está no comando.
Tio Abraão era enorme, usava barba comprida, camisa aberta até o umbigo. Não acreditava que corresse perigo. Por via das dúvidas, quando chegou a hora, abriu a porta do carro, sentou atrás do motorista, puxou a porta com força e ordenou:
— Toca pro Flamengo!
O motorista respondeu um ‘sim, senhor’ que deixou tio Abraão satisfeito, mas também com remorso – talvez tivesse exagerado. Só algumas quadras adiante percebeu que o motorista estava tremendo e, ao menos no painel, não havia taxímetro. O motorista agora estava quase chorando. Tio Abraão fez a pergunta absurda:
— Isso não é um táxi?
Ao que o outro respondeu:
— Isso não é um assalto?”
“Se perdem gestos, cartas de amor, malas, parentes.
Se perdem vozes, cidades, países, amigos.
Romances perdidos, objetos perdidos, histórias se perdem.
Se perde o que fomos e o que queríamos ser.
Se perde o momento.
Mas não existe perda, existe movimento.”
“A ideia de que hoje há de tudo, que se tem acesso a tudo e que tudo está representado é genial. É o discurso da internet. Tudo o que antes não tinha lugar ao sol agora está ou pode estar visível. Mas as coisas começam a se complicar quando percebemos que nesse mundo do sol absoluto, onde tudo pode enfim existir em pé de igualdade, com sua pobreza, sua feiura e sua cafonice, no fundo falta lugar para a exceção. Quando por acaso ela aparece, a exceção é imediatamente associada a elitismo, ao oposto do Estado democrático de Direito. (…) Por que a exceção não cabe nesse mundo onde tanto se alardeia que tudo cabe e que tudo pode afinal existir e ser visto? Por que ela é imediatamente desautorizada, seja pela contradição de sua tendência natural à invisibilidade num mundo de visibilidade absoluta, seja por essa associação irrefletida a elitismo e a antidemocracia? Qual o problema de uma arte de exceção, se sua condição de possibilidade é justamente a democracia, regime da inclusão das diferenças e não apenas regime da maioria? Por que essa tendência a confundir maioria e consenso com democracia, ainda mais quando se trata de arte? Porque a exceção, que é fundamental nas artes e que por isso mesmo precisa ser defendida a despeito de gostos e tendências, é também o que está ligado ao risco, ao disfuncional, ao erro e ao fracasso. Nada disso combina com discursos politicamente edificantes.
Umas das principais perversões do mundo contemporâneo tem a ver com a confusão entre essas duas visibilidades: 1) a visibilidade (e o direito à existência) do que antes não podia ser visto e 2) a visibilidade autorreplicante do que quanto mais se vê mais é visto. São duas coisas completamente diferentes e, em certo aspecto, conflitantes. No primeiro caso, está a população que antes era segregada às rodoviárias e hoje tem direito de acesso aos aeroportos e ao transporte aéreo, como qualquer cidadão. No segundo, está o princípio de mercado elevado à enésima potência pelos algoritmos que estruturam a lógica da internet: quanto mais uma coisa é vista, mais ela será visível. Ou seja, você tende a ver somente o que todo mundo vê, embora a rigor tenha acesso a tudo. Pela lógica tautológica da internet, o que ninguém acessa torna-se cada vez mais inacessível, embora esteja, em princípio, disponível. É fácil entender como as exceções são banidas desse mundo da visibilidade total para um limbo de invisibilidade que equivale ao desaparecimento e à inexistência. E nesse sentido, associar a exceção na arte a elitismo e a antidemocracia não ajuda nem democratiza coisa nenhuma.”
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